sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

E a Maconha?


Políticos e outras lideranças, convencidos do fracasso da estratégia convencional de enfrentamento do consumo de drogas cada vez mais crescente no mundo todo, discutem a liberalização do uso de drogas, especialmente da maconha. Assim tem acontecido em alguns estados dos Estados Unidos e no Uruguai, por exemplo. Neste momento, é importante rever aspectos quanto a segurança do uso, mesmo que recreativo, dessa substancia. Os riscos que os componentes dessa planta geram não podem ser suprimidos diante de poucos supostamente benefícios que ela pode vir a causar.
A ideia é liberar o consumo da cannabis com a justificativa de que seria um mal menor. Essa opção, no entanto, pode ter sido equivocada, pois os problemas se agravam, dificultando ainda mais a consciência de uma situação que, por si própria, é de enorme complexidade. E isso porque a maconha e outras preparações da cannabis, ricas em delta-9-tetra-hidrocanabinol (THC), conforme Relatório Mundial sobre Drogas de 2013, da Organização das Nações Unidas (ONU), comprovadamente prejudicam o funcionamento cerebral, com redução da memória, do aprendizado, prejuízos cognitivos, volitivos, intelectuais e para a saúde física em geral, ainda agravam transtornos mentais preexistentes, principalmente psicoses do grupo das esquizofrenias. Mais que isso: essas substâncias perturbam gravemente o amadurecimento da personalidade e a integração das experiências emocionais. A esquizofrenia, certamente, é a pior consequência − por sua irreversibilidade, enorme sofrimento e grandes prejuízos individuais, familiares e para toda a sociedade – porem, outras ações nocivas sobre o desenvolvimento individual são marcantes. Elas incluem o transtorno esquizotípico da personalidade (TEP) e alterações cognitivas, que também podem ser irreversíveis. Por tudo isso, de forma absolutamente preocupante, põem em risco a saúde geral da população, com consequências que sequer podem ser devidamente avaliadas.
As alterações físicas e mentais associadas à cannabis são relatadas há milênios e pesquisas científicas realizadas nas últimas décadas confirmam essa situação. Em 1987 foi publicada a primeira avaliação periódica de um universo de 50 mil suecos, acompanhados sistematicamente desde seu alistamento militar em 1969, quando tinham 18 anos de idade. Os jovens que na época já haviam usado cannabis 50 vezes ou mais, tiveram 6 vezes mais risco de internação por surto esquizofrênico. Durante muitos anos essa informação foi desvalorizada, por detalhes metodológicos da pesquisa. Esse risco foi recalculado 15 anos depois, como sendo de 2,3 vezes maior, após houve a exclusão de variáveis que poderiam ter contribuído para o desfecho anterior. Em 2011, a reavaliação, após 35 anos dos 50 mil recrutas suecos, com novas técnicas de controle, resultou em estimativas de risco 3,7 vezes maior para esquizofrenia, 2,2 vezes para psicose breve e 2 vezes para outras psicoses. Ainda em 2011, houve uma revisão da incidência de esquizofrenia em dez estudos na população geral de oito países − Suécia, Israel, Alemanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Grécia, dois estudos na Holanda e dois na Nova Zelândia – que indicou risco relativo de 1,5 a 4,3 vezes maior nos usuários de cannabis, que em não usuários.
Em 2012, a revista Schizophrenia Research, da Schizophrenia International Research Society, publicou um estudo com 804 americanos avaliados entre os 13 e 33 anos, mostrando que, entre os 567 que alguma vez usaram cannabis, os que se iniciaram antes dos 14 anos tinham maior risco de evoluir para um TEP, caracterizado por sintomas psicóticos atenuados, como experiências sensoriais incomuns, crenças não compartilhadas, comportamento estranho e isolamento social. Na adolescência o cérebro encontra-se particularmente vulnerável à ação de substâncias como o álcool e drogas em geral. Nessa fase da vida, os sistemas neuronais do córtex cerebral pré-frontal e do córtex parietal, responsáveis pela formulação do pensamento de maior complexidade e das funções executivas de um adulto normal, sofrem sequelas em suas sinapses com as alterações provocadas pelas drogas.
Apesar de as verdades científicas deverem ser transitórias, as evidências exigem um claro posicionamento em termos de saúde pública quanto ao uso da cannabis. Não há como justificar a legalização do uso de drogas como maconha, haxixe, ou mesmo o THC puro, nem mesmo para fins medicinais. Elas têm componentes tóxicos altamente perigosos e colocam em risco a saúde da população.
A descriminalização é uma questão importante e que justifica abordagens específicas, mas não pode ser confundida com a liberação do uso recreativo indiscriminado. Novas reflexões e pesquisas cientificas poderão contribuir para melhorar a saúde do conjunto da sociedade, principalmente das futuras gerações.


Micheli Krayevski Eckel
Psicóloga CRP 12/08587

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Felicidade


O que é felicidade?
Acho que depende...
Quando eu era pequena, felicidade era passar de ano, brincar na rua com os amigos, nadar no tanque de carpa que tínhamos no sitio e/ou ganhar presente de Natal. 
Quando eu me tornei adolescente, felicidade era quando minha mãe me deixava sair de casa, era ser notada pelo garoto dos meus sonhos, era acampar e cantar em volta da fogueira. 
Aos vinte, felicidade era estar fazendo faculdade.
Aos vinte e dois era ter um namorado apaixonado. 
Aos vinte e cinco, felicidade era ter um bom emprego e ter uns trocados no bolso.
Com vinte e sete felicidade foi ver minha filha nascer.
Agora, com trinta e poucos, e com algumas feridas que a vida me deu, felicidade é poder ser quem eu realmente sou. 
Sem máscaras, sem filtros, sem papéis. Ser real!
Ah se eu soubesse lá atrás o que sei hoje...
Eu trocaria o presente de Natal pelo abraço das pessoas que eu amo. 
Eu trocaria as boas notas na escola por estudar o que me da prazer. 
Eu trocaria o ser notada pelo garoto dos meus sonhos pelo desejo de compartilhar a vida com quem me olha nos olhos e me enxerga. 
Eu trocaria o bom emprego por um emprego que me realize. 
Eu trocaria o ser bem sucedida financeiramente, por ser livre da necessidade de ter coisas. Esse livre é tão simples! Sem necessidade de ter além do que preciso. Simplesmente o básico, o necessário.
Preciso de um chimarrão, ficar um pouco sozinha, fazer bagunça ou ler uma historia para minha filha, andar as vezes de mãos dadas, alguns amigos para conversar e dar risada... Só o necessário para ser eu mesma.
Isso para mim é felicidade. Apenas ser. 
Ser leve nos pensamentos. 
Ser sincera no olhar. 
Ser amorosa no escutar. 
Ser mão que estende. 
Ser pé que anda em direção ao outro. 
Ser corpo que abraça. 
Ser...

E pra você, o que é felicidade?

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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Dia do Psicólogo


Ser psicólogo é ter responsabilidade consigo e com o outro. É cuidar do outro, mas também cuidar de si. É uma profissão onde assumimos a responsabilidade de ser uma pessoa sempre melhor. Desenvolvemos o dom de ouvir, olhar, falar, observar, acolher, ficar no silêncio e não julgar. É estar atento, presente, compreender até o que não tem compreensão. É saber costurar, sem nunca ter tocado em tecido, muito menos em agulha.
Sinto-me orgulhosa pela escolha da minha profissão. É um privilégio estar com o outro, estar com o ser humano e poder ajuda-lo a encontrar seu caminho. É precioso sentir que estou junto do outro, independente do que sinta – medo, tristeza, raiva, prazer, inquietação, angustia, incerteza, alegria...
Meu sentimento é de GRATIDÃO pela confiança de cada pessoa que chega e confia a mim sua história. É meu propósito maior dar a alguém o meu silêncio, minha escuta, minha acolhida e minha voz para abrir novos caminhos.
Aprendo todos os dias a ouvir sem julgar, ver sem me espantar e acreditar que cada um sabe o que é melhor e por isso falar o suficiente, sabendo o peso da minha palavra. Aprendo também a guardar comigo os pensamentos, as lágrimas, as esperanças e os segredos tantas vezes compartilhados.
Por fim, que eu possa continuar na minha jornada cada vez mais consciente da responsabilidade da minha profissão e agradecida pela confiança e, principalmente, por participar da vida das pessoas que desejam e sonham serem mais felizes e que acreditam que a alegria é possível quando nos conhecemos e nos aceitamos como ser humano.



Micheli Krayevski Eckel
47 9 9193 6553

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Dependência Química e Psicanálise


A psiquiatria, no caso das adicções, é de fundamental importância na medida em que oferece ao meio científico a possibilidade de definição da dependência química, como uma síndrome passível de diagnóstico e tratamento. Já por sua vez, a psicanálise nos auxilia a compreender os mecanismos psíquicos envolvidos nesse processo patológico.
Freud, em seu trabalho: “O Chiste e sua Relação com o Inconsciente” deu os primeiros passos da psicanálise no estudo da dependência química. Ele relacionou a drogadição com a satisfação de necessidades infantis primárias. Postulou que a origem das drogadições está na fase oral do desenvolvimento, do nascimento até aproximadamente 2 anos de vida. Assim, a toxicomania pode ser interpretada como uma fixação oral. A maior contribuição de Freud, nesse caso, foi descrever a dinâmica da oralidade que inclui aspectos como a intolerância a espera na satisfação de desejos e a importância da fixação e da regressão. Em “Luto e Melancolia” Freud afirmou que a embriaguez alcoólica pertence ao grupo dos estados maníacos na medida em que se produz estados eufóricos e esses, por sua vez, asseguram que algo não apareça na consciência. “Aquilo que o ego dominou e aquilo sobre o qual está triunfando permanecem ocultos”.
Segundo Silveira Filho, no livro “Drogas: uma Compreensão Psicodinâmica das Farmacodependências”, vários outros psicanalistas começaram a estudar a toxicomania partindo das primeiras prerrogativas de Freud. Pierre Clark estudou a relação entre o alcoolismo e a depressão. Kielholz descreveu a toxicomania como uma neurose narcísica relacionada à psicose maníaco-depressiva. Rado diz que a função da droga é anestesiar o sofrimento do adicto em decorrência de suas características depressivas e maníacas e associou a toxicomania à liberação de impulsos destrutivos. Para Simmel a droga atua neutralizando o superego, deixando o ego livre para reencontrar a autoestima perdida por meio de um processo regressivo que vai fazendo do adicto uma criança cada vez mais narcisista, que organiza a sua atividade consciente obedecendo, quase que exclusivamente, ao princípio do prazer infantil. Rosenfeld acredita que o adicto, por suas fragilidades, tenta fugir dos estados depressivos que o ameaçam recorrendo à droga com o objetivo de produzir os estados maníacos.
Para Rosenfeld, em “Os Estados Psicóticos”, abordando a teoria Melanie Klein, diz que o fenômeno da toxicomania não se deve apenas à regressão oral do toxicômano (como sugeriu Freud), mas também a uma excessiva divisão do seu ego e seus objetos internos, a qual produziria uma extrema fragilidade egóica. Segundo ele, o toxicômano estaria fixado na posição esquizo-paranóide, embora tenha atingido parcialmente a posição depressiva, na qual dificilmente poderia tolerar o seu ingresso total. Com a droga, justamente, o que ele tenta é evitar cair na posição depressiva porque representa a incorporação dos seus aspectos dissociados. A possibilidade desta incorporação implicará para o toxicômano na desintegração total de seu ego, ou seja, a psicose. O toxicômano encontra na droga um caminho quimicamente efetivo para superar sua fragilidade egóica e assim, supostamente, evitar sua desintegração psicótica. Com isso, a droga passa a ser um objeto idealizado que irá neutralizar a ansiedade paranóide que provém da ameaça constante do núcleo psicótico. A droga entra com a finalidade de conter a parte psicótica da personalidade do adicto, mantendo uma estruturação, mesmo que frágil. Em muitos casos, essa estruturação não consegue se manter, pois quanto mais cindida está a personalidade do indivíduo, maior é o risco de a droga desencadear um surto psicótico. É possível perceber a utilização de mecanismos de defesa primitivos próprios da posição esquizo-paranóide, tais como: identificação projetiva, negação, idealização, cisão e pensamento onipotente.
Utilizando como referência a teoria de Winnicott, quando ele escreve: “O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional” o desenvolvimento emocional do dependente químico, ocorreram falhas ambientais em um estágio precoce, especificamente na passagem da fase de dependência absoluta para a fase de dependência relativa, as quais impossibilitaram o desenvolvimento adequado.  A fase de dependência absoluta ocorre após o nascimento. É o momento em que o bebê é totalmente dependente da mãe ou do cuidador, aquele que exerce função materna. Ele ainda não é capaz de perceber que seu corpo é separado do corpo de sua mãe, já que são pessoas diferentes. Nessa fase, a mãe deve adaptar-se da forma mais completa possível às necessidades do bebê. Assim, a mãe possibilita que o bebê viva as necessárias experiências de onipotência. Por exemplo, se o bebê tem fome, a mãe oferece o seio para alimentá-lo. Com isso, o bebê vive a ilusão de que foi ele quem criou o seio, que ele cria a realidade. Essas experiências de ilusão, de ser o criador do mundo, são muito importantes para um desenvolvimento saudável. Com o desenvolvimento, é natural que o bebê, aos poucos, viva a experiência de separação da mãe; que possa ir percebendo que ele e a mãe são pessoas separadas física e psicologicamente. É a fase de dependência relativa, que se desenvolve a partir dos cinco ou seis meses de idade. A mãe suficientemente boa, vai inserindo o princípio de realidade, desiludindo o bebê gradativamente. As repetidas experiências de ilusão possibilitaram o surgimento de uma área intermediária de experiência entre a realidade subjetivamente percebida e a realidade objetivamente percebida denominada espaço potencial. É uma área intermediária entre a ilusão e a realidade. É aqui que os objetos e fenômenos transicionais têm o seu lugar e são esses que muito ajudam o bebê na elaboração da separação com relação à mãe. Os objetos transicionais são objetos eleitos pelo bebê, como ursinhos, fraldinhas, a ponta do cobertor.  O objeto transicional representa, ao mesmo tempo, a realidade interna e externa e oferecem conforto ao bebê. Na medida em que a criança vai se desenvolvendo, o objeto transicional vai perdendo seu significado e é deixado de lado, podendo ser resgatado em alguns momentos difíceis, que exijam maior proteção. Os objetos transicionais não são nem puramente imaginação, nem puramente realidade. Representam a entrada no mundo simbólico. O objeto existe na realidade, mas seu significado é simbólico. No caso da dependência química, a patologia se instala na medida em que há a cronificação do objeto transicional, isto é, quando a relação com o objeto persiste de modo exclusivo e prolongado. Dessa forma, o objeto não serve para elaborar a ausência materna e sim para negá-la. O uso cronificado implica a ilusão de que o objeto é a mãe. Isso ocorre, geralmente, quando há repetidas falhas relacionadas ao cuidado materno, especialmente nesse caso, na apresentação dos objetos ao bebê na fase de dependência relativa. O contato com os objetos passa a ser mais importante do que o contato com as pessoas, principalmente no que se refere ao apaziguamento de angústias. Com isso, instala-se uma tendência a buscar objetos concretos para aplacar o sentimento de vazio, angústia e solidão. Assim, as substâncias psicoativas são fortes candidatas a exercer esse papel.
Atender um indivíduo com diganóstico de dependência química não é uma tarefa fácil. Experimentamos sentimentos intensos, devido a ampla utilização de mecanismos de defesa, transferência e a fragilidade da abstinência. Trabalhar com dependência química envolve desenvolver tolerância à frustração, ao mesmo tempo fé e esperança da possibilidade de uma mudança de vida. Munidos de teorias psicanalíticas e de capacidade de continência é possível oferecer tratamento digno ao dependente químico. É importante ressaltar a necessidade de atendimento interdisciplinar, profissionais capacitados, grupo de apoio, reinserção social, associados ao tratamento psicológico é possível produzir resultados positivos.

Micheli Krayevski Eckel
Psicóloga CRP 12/08587
(47) 99193-6553





Drogas na Sociedade: Por que está cada vez pior?


É sabido, que ao longo de toda a história da humanidade as substancias psicoativas foram utilizadas para alterar as percepções, entrar em contato com deuses e até como um artifício para sair da realidade. Porem,  é no século XX que o uso e abuso de drogas surge como um problema social a ser combatido. As drogas tem assumido uma importância cada vez maior, tornando-se uma questão de saúde pública.
Dois fatores específicos são notórios na diferença das civilizações antigas para as atuais: a evolução cientifica em concentrar o princípio ativo das plantas (potencializando seus efeitos alucinógenos); e o advindo da Revolução Industrial que potencializou produção em larga escala e a comercialização da droga.
No início os princípios ativos foram isolados com fins medicinais. Até mesmo Freud se dedicou a estudar os efeitos da cocaína, inclusive se utilizando como sujeito de pesquisa. Foi em 1884 que ele publicou um artigo recomendando a cocaína, este foi severamente criticado. Já em 1885 ele começou a perceber o principal sintoma prejudicial da cocaína: a dependência. Em 1887 ele publicou o artigo intitulado de “Angustia e Medo da Cocaína”, como uma reparação no meio científico por ter recomendado o uso de tal substância.
Dr. Eduardo Kalina (1999) considera a drogadição uma doença psicossocial com o envolvimento de fatores individuais, familiares e sociais. A cultura social seria incentivadora do consumo de drogas quando dissemina a mensagem que a vida não vale nada. Isso ocorre, segundo o autor, na medida em que há produção de armas de destruição em massa, propagandas sobre drogas legalizadas (álcool e tabaco), uma sociedade centrada no poder de consumo e na obtenção de lucros. A indução ao uso de drogas aparece também na supervalorização de ídolos usuários de drogas e/ou suicidas em potencial, na existência do narcotráfico dominando cidades inteiras, na destruição das reservas ecológicas do planeta, na corrupção, dentre outros motivos.
Se olhamos de perto, cada sociedade produz suas próprias patologias. No caso da nossa, a combinação entre o desenvolvimento dos processos de produção do álcool, cocaína, crack, a manufatura de drogas sintéticas cada vez mais potentes e um meio social altamente competitivo, incentivador de desejos ilimitados e da busca incessante pelo prazer imediato, produz um cenário ideal para a proliferação do abuso de drogas e da dependência química.