terça-feira, 5 de setembro de 2017

Luto Materno




Estar grávida infere em mudanças físicas, corporais, hormonais e metabólicas, bem como as psíquica. O período da gravidez é conflituoso, pois faz ressurgir algumas experiências primárias da vida de uma mulher. A ambivalência de sentimentos gerada pelo desejo de ter um filho versus a rejeição – deixando claro aos mal informados, que nenhuma gravidez é totalmente aceita ou rejeitada. Essa ambivalência faz parte de um processo de mudanças, de desejos contraditórios que implicam escolhas e renuncias.
Ao abrir espaço para uma nova pessoa na família, o lugar de cada um é modificado e, conforme a história pessoal, cada um sentirá mais ou menos essa recolocação e reagirá. Todos irão, imersos num campo de palavras, sentimentos e sintomas, vivenciar a gravidez e dar sentido (um lugar) ao bebê que está para nascer.
A mulher grávida reconfigura sua história a partir do lugar, que oferece a este bebê. Na maneira como o deseja e como o espera, na maneira como contorna esta criança com palavras, carregando-a de sentidos, para incluí-la na sua história. O bebê se encontra, no desejo da mãe, como um substituto fálico e que, por assim ser, é deslocado como um objeto de amor que a torna completa e no qual reside toda a perfeição. A mãe, revive com o seu bebê, durante a gravidez e após a gestação, seu próprio narcisismo, elegendo o bebê como objeto libidinal, protegendo-o de todas as barreiras às quais se submeteu para renunciar o prazer e elaborar, a inevitável condição faltante.
A mãe, com sua organização psíquica feminina, marcada pela castração e pelo buraco do qual espera um sentido – que alguém lhe concederá – ao desejar um bebê, revive inconscientemente a possibilidade da realização fálica, de plenitude. Para receber este bebê como um sujeito investido libidinalmente, a mãe prenuncia, durante os meses de gravidez, um espaço para este bebê, no modo como o imagina, nomina, insere em sua história de vida e prepara seu ambiente.
O bebê é o destino da libido da mãe e, nos primeiros meses de vida, evita quanto pode que seu bebê se defronte com a falta, suprindo todas as necessidades. Faz todo o possível para que a angustia de existir seja suprida (fome, sono, dor). Identificando-se com o bebê, a mãe deposita nele um ideal de eu, uma possibilidade para si de ser o que não foi. Como disse Freud, a criança seria a possibilidade de imortalizar o ego, de se fazer eternizar.
Na morte peri-natal, ou fetal, o que se perde na realidade é o bebê imaginário, que não pôde se fazer real; a mãe não teve a oportunidade de sua presença física, mas sente sua morte como alguém que já esteve ao seu lado e assim não se encontra mais. A perda deste bebê se destaca nas alterações corporais, assim como
acontece no pós-parto das mães que veem o nascimento de seus bebês e os tem nos braços, podem tocá-los, senti-los e construir um campo relacional concreto que perpassa as preparações psíquicas.
A morte infantil é uma perda real, na qual a mãe tem de se desligar do seu filho como objeto de amor, com o qual se ligou afetivamente de modo tão próximo e vivo, tornando-se um com ele. Esta morte, assim como a morte fetal, é entendida como um descompasso na sequencia natural do ciclo de vida, pelo qual nos orientamos e nos conscientizamos de que pais morrem antes dos filhos. Encontrar-se com a morte de um filho é vivenciar a própria impotência, é encontrar-se com a própria morte, é perder a possibilidade de responder ao seu próprio desejo.
Quando se deseja algo, e se deseja por uma ligação afetiva, planejamentos futuros são imaginados, de modo a organizar a vida presente e dar sentido a ela. A perda de um filho representa um redirecionamento de toda a energia libidinal que se despendeu para as preparações que se fizeram ou que se concretizaram na relação com ele mantida.
Algumas reações desnorteamento podem surgir diante desta ocasião inesperada, como a culpa pela impossibilidade de gerar um filho, a negação da morte, a desesperança diante do futuro e dos outros destinos de seu desejo. Perdendo o objeto amado, a mãe enlutada defronta-se com o vazio, com a falta de sentido, com a fragilidade do próprio ego, que se mantém em relação aos outros, aos investimentos libidinais que orientam nossos desejos e significam nossa existência.
A morte é a única certeza que nos acompanha por toda a vida, e da qual, dentre as tantas incertezas, queremos nos afastar em pensamento e em realidade. A morte é algo que se espera sem esperar, que se nega o tempo todo para poder prosseguir. Mas a morte, como perda maior, é aquilo que nos move na representação da falta.

Micheli Krayevski Eckel
Psicóloga

Mãe do Samuel
(02/08/2017 – 05/08/2017)