quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A Concepção do Transtorno para a Comunidade Terapêutica

O livro de George De Leon, A Comunidade Terapêutica – Teoria, Modelo e Método, é tido como o manual base para as comunidades terapêuticas (CT) que buscam trabalhar com cientificidade em seu tratamento. A CT tem um propósito geral, uma estrutura organizacional, regras formais e/ou informalmente partilhadas, valores, crenças e costumes específicos da própria cultura. O intuito mais amplo é transformar estilos de vida e identidades pessoais. Sua estrutura (organização social), sua população (funcionários e residentes) e sua rotina diária de atividades (grupos, reuniões, trabalho e recreação) são projetadas para facilitar o tratamento, o aprendizado e a mudança dos indivíduos.
            Quando se trata da concepção do transtorno para a CT, De Leon explicita claramente que este se difere da concepção biomédica tradicional. Um dos aspectos é que a CT não difere o transtorno do abuso de substancia para o usuário abusivo de substâncias - ambos necessitam uma mudança no estilo de vida para recuperar sua saúde global.
            Para um diagnóstico preciso são abordados quatro áreas e indicadores da manifestação do transtorno:
- Uma vida em crise: a pessoa percebe que seus comportamentos estão descontrolados; apresenta potencial suicida, por overdose, dirigir sob efeito de substancia, ou mesmo outros métodos diretos; tem alto grau de ansiedade, referente a diversas situações da vida e o medo inerente de violência, prisão, doenças, morte; percebe um histórico de perdas pessoais, financeiras, relacionamentos que terminam ou mesmo a perda de empregos.
- Incapacidade de manter a abstinência: não consegue manter sozinho um período significativo de abstinência, normalmente já tentou parar sozinho ou mesmo fez tratamentos anteriores. Esta incapacidade se soma ao uso de múltiplas drogas, mesmo tendo uma como preferência.
- Disfunção Social e Interpessoal: tem sua capacidade de agir de modo responsável reduzida, ou por vezes até anulada o que aumenta a deficiência em manter empregos ou as atividades escolares. Normalmente apresenta relacionamentos disfuncionais com os pais, cônjuge e até mesmo com amigos não usuários. A própria pessoa percebe a necessidade de habilitar as funções sociais e que a CT o (re) socialize.
- Estilo de vida antissocial: suas atitudes são de exploração, maus-tratos, violência, rejeição e/ou ausência de valores sociais. Comumente traz histórico criminal ou internações por determinação judicial.
            É perceptível que esse transtorno afeta a pessoa por inteiro e tem diversos aspectos de sua vida comprometidos. Os problemas cognitivos, como também déficits de capacidade verbal, de leitura, escrita e mesmo na realização de tarefas cotidianas; seu comportamento é afetado, bem como os pensamentos que são desorganizados e irrealistas; há também perturbação no humor, que tanto pode se tornar depressivo, ansioso ou maníaco; seus valores sociais são confusos ou inexistentes.
É perceptível que mais importante do que a droga em si, é o estilo de vida que o levou a fazer o uso da substancia. Assim, não é a droga, mas sim a pessoa. A droga passa ser sintoma de uma vida disfuncional, com fatos marcados por violência, criminalidade, acidentes de transito, como também tentativas de suicídio, comportamento sexual de risco, negligencia familiar, entre outros.
Quando se pensa de onde vem o transtorno, qual sua fonte, as respostas são mistas. Não se tem uma resposta ao certeira, mas há indícios que somados podem levar a uma origem. Há indícios que mostram que um baixo nível socioeconômico e um aprendizado excludente podem ser um possível causador do transtorno. Na base também pode estar as disfunções familiares, os cuidados parentais deficientes, assim como os modelos negativos de comportamento. Uma personalidade contestatória também pode ser sinal para o transtorno.
Um elemento essencial do transtorno é a incapacidade que os indivíduos revelam de assumir a responsabilidade por suas decisões e ações. Se escondem por detrás da substancia e não assumem a responsabilidade cabível a pessoa. Eles são responsáveis por suas ações e pelas opções que fazem, em particular no tocante ao uso de drogas. Esta é uma das grandes dificuldades no tratamento em CT, todas as possíveis fontes do transtorno tornam-se secundarias quando deparada com “o que farei com tudo isso?”.
Todos, incluindo residentes, funcionários, voluntários ou qualquer pessoa que visitar a CT faz parte do processo e deve seguir o mesmo ritmo de funcionamento (normas de moradia, cronograma, bem-viver). Todos são membros da CT, formam um organismo vivo.
Relevante também é contextualizar alguns conceitos biomédicos na perspectiva da CT.
Desintoxicação: As crises que envolvem o sofrimento físico e psicológico e os episódios de abstinência e desintoxicação podem ser oportunidade e mudança de longo prazo. Pode ser um passo inicial para um processo mais intenso, como o tratamento em CT.
Fissura: No período de desintoxicação a fissura é mais comumente relacionada a fatores fisiológicos. Com o passar do tempo, as fissuras são desencadeadas por causas sociais e emocionais.
Farmacoterapia: Na perspectiva da CT, medicações que alterem estados emocionais, físicos ou mentais podem reforçar o transtorno e impedir que ocorra o processo de recuperação. Algumas CT’s aceitam o uso limitado de psicofármacos como auxilio da depressão e ansiedade associadas aos efeitos pós-uso.
Predisposição Psicológica para o Abuso de Drogas: Na concepção da CT, a propensão psicológica pode ter relação com fatores da personalidade ou com subtratos biológicos. Mas é adquirida por meio da repetida associação de sentimentos e estados cognitivos com o uso de drogas. A CT ajuda os residentes a reconhecer, aceitar e administrar sua propensão psicológica a usar substâncias.
Doença, transtorno e enfermidade: Com a concepção de tratamento de pessoa inteira, justifica a consideração do abuso de substancia não como uma doença, mas como um transtorno. Comumente doenças médicas e psiquiátricas são associadas a Dependência Química – estas são vistas como consequência do uso abusivo e estilo de vida estabelecido.
Os genes, o cérebro e a dependência química: Há envolvimento de fatores genéticos – hereditariedade no alcoolismo; identificação dos neurotransmissores envolvidos no uso de substâncias; também há o reconhecimento da importância dos fatores biológicos (predisposições, elementos físicos da fissura, influencias na desintoxicação).
É a PESSOA que assume a RESPONSABILIDADE por sua própria RECUPERAÇÃO. A dependência química é um sintoma, não a essência do transtorno, que esta envolto das condições biopsicossocioespiritual, ou seja, globalmente envolvido com o estilo de vida do abusador de substancias. O problema é a pessoa, não a droga.