domingo, 4 de setembro de 2022

Os Filhos de Alcoolismo

Com o passar desses mais de 10 anos em que trabalho com dependência química, algo que nunca me passou despercebido foi a relação que o meu paciente tinha com o seu pai. Afinal, me parece, que a dependência química é uma história de amor com o pai. Essa relação tão marcada por amor e por ódio. Sim, onde há muito ódio, há muito amor também!
Na prática clínica é perceptível a referencia de idolatria que o meu paciente tem para com a mãe - em torno dela é construído um santuário, uma imagem idealizada dos acertos e por uma suposta razão. E quanto ao pai o que aparece é um desprezo fixado em mágoas e fortes ressentimentos.
Nem tão ao céu, nem tão ao inferno. É preciso equilibrar essas relações. Já que para alcançar a maturidade emocional de um adulto, o necessário é reconhecer a figura importante de ambos. E também a consciência de que cada um fez aquilo que lhe era possível ser feito. O treino deve ser de reconhecimento e perdão.
Os estudos da teoria Winnicottiana é baseada com o bebê no colo de sua mãe. Esse bebê com uma tendência para o amadurecimento, mas ainda assim, mesmo essa tendência sendo inata, há a necessidade em se contar com um ambiente que propicie esse processo.
Winnicott também considerou de forma importante o pai, pontuando e descrevendo seu papel em todas as etapa do processo de amadurecimento pessoal.
 
Obs: Mantêm-se a premissa de que a mãe é o primeiro ambiente do bebê e esta precisa oferecer um colo suficientemente bom, mas entende-se que a qualidade deste colo dependerá fundamentalmente do "colo" oferecido para a ela. Este, que se dá de forma muito mais adequada, quando oferecido pelo pai da criança. Então, o pai é o responsável por ser o holding da mãe. Possibilitando a ela uma total dedicação para com o lactante, ela podendo ser uma mãe devotada.
 
Nos primeiros meses de vida (chamado por Winnicott de fase de dependência absoluta), o pai atua de forma a substituir a mãe diante de uma necessidade, oferece ao bebê os mesmo cuidados que a mãe lhe dispensa.
Em “Da Pediatria à Psicanálise”, Winnicott escreveu que é fundamental que o pai seja verdadeiramente importante para a mãe, num sentido dramático e existencial, permitindo o estabelecimento de uma relação mãe-filho saudável. Deste modo, o bebê poderá integrar-se com auxílio da presença paterna. O pai não “duplica” o cuidado materno, mas aparece como elemento inscrito num processo de diferenciação da alteridade.
Isso numa família saudável...
 

Agora, pense em uma mãe de primeira viagem, com o seu bebê recém nascido, com todas as demandas dela (alterações físicas, hormonais, emocionais...), mais todas as demandas do bebê, e mais ainda preocupada que o pai da criança não chegou em casa depois do trabalho, imaginando que ele deve estar no bar com os amigos, gastando o dinheiro reservado para as contas do mês. Ou ainda a preocupação de que quando ele chegar estará alcoolizado.
Não sei se é de seu conhecimento, se você já viu um bêbedo...
Normalmente um homem sob efeito do álcool fica expansivo, dono da verdade, cheio de razão, chato e por muitas vezes agressivo.
Esse bebê, em simbiose com a mãe, sentirá toda essa ansiedade, bem como irá vivenciar junto dela a expectativa e o caos causado com a chegada desse pai.
Percebe que a função do pai em substituir a mãe já esta fadada ao fracasso? Pois a mãe, com razão, não confia que esse homem seja capaz de ser suficientemente bom nos cuidados para com o seu bebê. Aqui há uma fixação da simbiose. Pois o corte que seria necessário que o pai fizesse, já não vai acontecer. Por falha de ambos! Incapacidade dele e medo dela.
O pai não transmitirá a segurança necessária, não fará o holding para a mãe. A mãe tentará substituí-lo.
Esse bebê não terá um ambiente bom para desenvolver sua segurança interna. Ouso dizer, que aqui está um dos maiores prejuízos que os filhos do alcoolismo sofrem: Passam a ser pessoas sem o mínimo de segurança possível para seu amadurecimento emocional. São bebês e posteriormente adultos inseguros. Tem medo da vida! Não consegue sentir segurança no ambiente, no mundo lá fora e muito menos no seu mundo interno. Aqui, possivelmente, está a base da ansiedade, da depressão e até mesmo de um possível desenvolvimento da dependência química.
Pode-se dizer, que as marcas emocionais permanecerão por toda a vida. Esse bebê se tornará um adulto que não conseguirá confiar em ninguém, muito menos em si mesmo. Trará consigo a incerteza, que virá a provocar persistente angústia; sentimento de impotência diante das situações cotidianas; baixa autoestima; sentimento de culpa (o pai alcoolista muitas vezes culpa os filhos pelo caos familiar, e eles acabam introjetando esse sentimento); herdará também dificuldade em expressar afetos; falta de perspectiva de futuro...
 
Quando se trata de um segundo momento (que Winnicott chamou de dependência relativa), num ambiente familiar saudável, o principal papel desempenhado pelo pai é a de chamar a mãe para si. Ela estava distante dela mesma, física e emocionalmente, distante do marido, da casa e de todas as outras relações. O pai é quem “lembra” a mãe que ela também é uma mulher, de modo que ela tenha mais um ponto de apoio para recuperar aspectos de sua personalidade e de retomar, aos poucos, a amplitude do mundo que havia sido estreitado pela preocupação materna primária.
 
* Importante ressaltar que a entrada do pai na vida da criança não é violenta ou traumática, e nada tem a ver com qualquer situação em que esteja implicada uma separação brusca da mãe. As mudanças vão ocorrendo dentro da relação mãe-bebê, na natureza desta relação, e não a partir da dissolução dela. O pai aqui não é o interditor, ao contrário, ele é o sustentador, para que o amadurecimento natural possa ir ocorrendo.
 
No ambiente familiar alcoolista, a relação simbiótica permanece, pois o pai não entra. Essa adoração para com a mãe impede que a criança venha a se desenvolver de forma saudável. Grande parte dos dependentes químicos são uns “bebezões”. Homem adulto por fora, mas emocionalmente imaturo. Incapaz de cuidar de sua própria vida sozinho.
Na dependência química, a ‘química’ é o menor dos detalhes. As relações de ‘dependência’ é o maior agravante deste tipo de personalidade. É dependente emocionalmente, financeiramente e tem muita dificuldade para resolver sozinho os problemas da vida. É a mãe quem o leva procurar emprego, quem paga suas contas e compra suas roupas. É a mãe que tenta incansavelmente resolver seus problemas. Ela quem escolhe as parceiras, mesmo achando que mulher nenhuma é boa o suficiente para o seu “bebê”. Homem que depende da mãe e que posteriormente buscará uma mulher para substituir essa função materna.
 
Também na fase da dependência relativa é responsabilidade do pai posicionar-se de modo a proteger a mãe dos ataques da criança, já que nesta etapa a criança se depara com o processo de desilusão. É nesta fase que o bebê vê o primeiro sinal do pai, ainda através da mãe. O pai é o primeiro modelo de integração para o bebê, assim é usado por ele como um padrão para sua própria integração.
No livro “O ambiente e os processos de maturação” Winnicott diz: “...o pai pode ser o primeiro vislumbre que a criança tem da integração e da pessoalidade total. O bebê utiliza o pai como uma espécie de diagrama para a sua própria integração, num momento em que esta integração ainda não foi conquistada por ele.”
Quando se trata de um pai saudável, é lindo falar de integração.
Quando se trata de um pai alcoolista, estamos falando de uma repetição de comportamentos negativos.
Os filhos de alcoolistas tem 6 vezes mais chances de desenvolver uma dependência (dependência química, de jogos, sexo, compulsão alimentar). 6x mais chance do que filhos de pai não alcoolista! Além de apresentarem mais frequentemente sintomas psicopatológicos desde a infância. Tem mais disfunções cognitivos, problemas de aprendizagem, precocemente sintomas de ansiedade, depressão...
 
Como o quadro de alcoolismo é crônico e as manifestações de violência física e psicológica costumam ser persistentes e ir se acentuando. Com a repetição, fica quase impossível curar as feridas naturalmente. E elas vão formando a personalidade de uma pessoa instável emocionalmente; alimenta comportamentos impulsivos e compulsivos; é uma pessoa que tem dificuldade de terminar os projetos que inicia – abandona escola, cursos, trabalhos...; é uma pessoa que encara as coisas com um excesso de seriedade, tendo problemas para reservar momentos para a diversão e o prazer – e o álcool e as drogas chegam aqui para tentar alcançar esse prazer faltante, vem como entretenimento e anestesia.
 
Considero importante também citar as possíveis consequências destas falhas no que diz respeito à sociedade. Tendo em vista, que o papel do pai é de referência hierárquica, de colocar limites, preparar o filho para as relações interpessoais, e consequentemente para a convivência em sociedade. Aparece aqui o deprivado, das condutas delinquentes e da tendência antissocial.
 
Em processo de psicoterapia, é comum para o filho de alcoolista se deparar com a repetição dos comportamentos que tanto ele abomina no pai. Ele vai se perceber negligenciando ou até mesmo abandonando os filhos, não prestando cuidados para eles e para a esposa. Perceberá praticando violência física e psíquica, igualzinho como recebeu. Irá se perceber sendo um péssimo modelo de homem.
Para que os filhos do alcoolismo possam superar essa marca emocional e curar as feridas deixadas pela relação com o pai, precisará entender ‘o que’ o trouxe até o presente momento. Essa percepção, somada a outros insigths, pode favorecer a motivação para a mudança. Quebrar esse ciclo de repetição, que já era do avô, do pai... e ele optar por não querer reproduzir no seu filho. Isso passa a ser parte do desejo de alguém que procura mudança de vida.
 
Não fique sozinho! Peça ajuda!
 
* As palavras que destaquei em itálico são comuns na linguagem da psicanálise winnicottiana. Se não conseguir compreender, me disponho a te ajudar. Pode me chamar
 
Abraço,
 
Micheli Krayevski Eckel
Psicóloga
Psicanalista em construção
(47) 99193-6553 

terça-feira, 24 de maio de 2022

Erros que os Pais cometem com filhos Adolescentes


Ser pai/mãe de adolescentes é sempre um desafio. Para educar é preciso tolerância, paciência, esforço, bom senso e ser bom exemplo. Até porque diferente das crianças, os adolescentes sempre, eu disse SEMPRE, irão nos questionar como pais.

É importante lembrar que nessa fase da vida, as pessoas estão decidindo o que querem ser, não só profissionalmente, mas também como ser humano. É preciso evitar ao máximo tanto a indulgência quanto a rigidez para que os adolescentes possam se sentir seguros.

 

Sei que nós pais, queremos que nossos filhos não sintam nenhum tipo de desconforto ou sofrimento. Mas para o processo de amadurecimento, ambos são indispensáveis. Afinal, você não estará para sempre ao seu lado para o proteger e defender. Não poderá evitar as suas dores para sempre. E a vida adulta é cheia de obstáculos e os filhos devem estar preparados para enfrentá-los. Ensine seus filhos a enfrentar desafios e se defenderem sozinhos.

 

Obviamente, não existem pais perfeitos – não existe ninguém perfeito! Mas tem alguns erros que percebo em minha prática clinica com adolescentes que considerei relevante descrever para alertar os pais.

Seguem os principais erros que observo em pais de adolescentes:

 

Erro 1- Os filhos que são o centro do universo

Sei que para a maioria dos pais, seus filhos são a coisa mais importante da sua vida. E não tem problema demonstrar seu amor a eles, pelo contrario, expressar o seu amor é fundamental. No entanto, uma pessoa que, mais do que amada, é praticamente idolatrada cresce pensando que o mundo gira ao seu redor.

Ame o tanto que você puder e como quiser, mas evite que sejam criados na base do egoísmo e da superioridade. Assim, você os ajudará a ter uma autoestima sólida, mas com os pés no chão.

Outro fator importante na questão de autoestima, é que você é modelo de comportamento para seus filhos. Então, você precisa ensiná-lo que primeiro eu ME AMO e depois transfiro esse amor para os outros. Eu preciso ser a pessoa mais importante da minha vida. (veja mais sobre isso no Erro 6)

 

Erro 2 - Meus filhos são perfeitos

O ideal que você vê em seus filhos não existe!

Receba abertamente as opiniões das outras pessoas que convivem com seus filhos. Professores, amigos, outros familiares podem te trazer aspectos de seus filhos que talvez você não esteja enxergando.

O melhor que você pode fazer pelos seus filhos é os escutar atentamente e observar seus comportamentos, sem o filtro do amor cego. Eles estão construindo sua identidade. Assim, ainda há tempo para ajudá-los a corrigir alguns comportamentos.

 

Erro 3 - Viver através dos filhos

Os filhos não são extensões dos seus sonhos e das suas expectativas. Eles têm suas próprias vidas, metas, desejos e aspirações. Não o pressione a ser quem você gostaria de ser.

As atividades que eles realizam devem estar alinhadas em busca da sua própria felicidade, e não para a satisfação dos pais. Os filhos adolescentes não são segundas oportunidades para os pais. Eles são seres autônomos que devem trilhar o próprio caminho.

 

Erro 4 - Pai/Mãe como melhor amigo

Um dos grandes problemas da sociedade atual é que muitos pais não se comportam como pais, querem ser amigos. O desejo de receber amor e aceitação por parte dos filhos faz com que o papel de pai e mãe acabe se confundindo.

Tenha consciência que é normal que seus filhos às vezes fiquem bravos com você e não estejam de acordo com as suas decisões. A permissividade deve ser evitada ao máximo se você quer ensinar respeito e limites aos seus filhos.

Pense comigo: amigos seus filhos podem encontrar aos montes por ai. Pai/Mãe ele só tem você. E ele precisa que você exerça essa função para que ele possa amadurecer e se desenvolver um adulto saudável.

 

Erro 5 - Perder tempo em família

Não há nada mais enriquecedor para uma família que passar tempo de qualidade juntos. Embora os horários de trabalho e escola, o cansaço e as tarefas domésticas dificultem, sempre é preciso encontrar uma maneira de se encontrar e estar por perto.

Seja uma refeição que todos se sentam à mesa (sem celulares), um passeio que fazem juntos, ver um filme, algum jogo... cada família precisa encontrar sua atividade para passar um bom tempo juntos.

A parte boa de seus filhos serem adolescentes é todo o caminho que já percorreram para chegar até essa fase. Um pai ou uma mãe presente é o melhor presente que você pode oferecer aos seus filhos.

 

Erro 6 - Esquecer da importância do bom exemplo

Os pais têm a difícil tarefa de ser o exemplo das atitudes que exigem dos filhos. Se você quer que seu filho seja a melhor versão de si mesmo, esse é o momento para você também começar a ser. Eles te observam permanentemente e aprendem com tudo que você faz.

Palavras convencem e exemplos arrastam!

 

Erro 7 - Evitar que passem por adversidades

Para que seus filhos tenham confiança, resiliência e persistência, ele precisa superar seus próprios desafios. Cada dificuldade superada na vida diária agrega valores na vida da pessoa. A satisfação de se sentir capaz e independente, fará com que a criança ou o adolescente se torne um adulto forte e amadurecido.

 

No longo caminho de educar nos deparamos com grandes desafios. Embora não exista uma única maneira de fazer as coisas, evitar esses erros vai levar você por um caminho mais seguro. 

A adolescência é uma das fases mais bonitas e difíceis das suas vidas. Acompanhe seu filho, esteja a uma distancia segura, o autorize a crescer.

 

Dica: Frente a dúvidas e dificuldades, primeiramente olhe para dentro de si e confie nos valores que você quer transmitir para seu filho. Se não encontrar respostas convincentes, procure ajuda profissional.

 

Abraço

Micheli Krayevski Eckel

Psicóloga

 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Abandono Materno e as Consequências na Vida Adulta

Sentir a presença da mãe, seu calor, seu olhar e carinho ao chegar ao mundo, é uma das maiores necessidades que um ser humano sente ao longo de sua vida. Emocionalmente falando, não haverá coisa que precisaremos mais. Nos primeiros momentos de nossas vidas, nós somos uno com ela e posteriormente, quando a reconhecemos como um outro, somos capazes de aceitar tudo que ela nos faz. Se nos critica duramente ou se nos despreza, somos capazes de perdoá-la em um piscar de olhos. Na verdade, nem nos atrevemos a questionar o que nos fez, mas nos culpamos por tê-la irritado, chateado ou a deixado triste. Afinal, o que mais tememos é que ela nos abandone.

Por mais disponível que uma mãe seja, às vezes ela tem que se ausentar. Pouco a pouco aprendemos a lidar com essas breves ausências, mesmo que a contra gosto. Se por algum motivo nossa mãe se ausenta por maior parte do tempo, se abre uma ferida difícil de cicatrizar. E quando a mãe está totalmente ausente, principalmente nos primeiros anos de vida, o dano emocional é tão grande que deixa uma marca definitiva.


A criança não tem escapatória, se não conta com uma mãe suficientemente boa, irá construir sequelas dessa relação.

Comumente essas pessoas são encantadoras, muito agradáveis e de fácil trato. Aprenderam que devem “se comportar bem” e ser o que os outros esperam, para que assim, não sejam novamente abandonadas. 

Há pessoas que chegam à vida adulta se sentindo aterrorizadas nas situações em que precisam ficar sozinhas. Quando não há ninguém em casa, por exemplo, um poço de angústia é aberto dentro delas, no qual se sentem afogados. São como crianças aterrorizadas que sucumbem ao medo e a solidão.

A ausência da mãe também pode estar relacionada a origem de muitos distúrbios de sono e da alimentação. Talvez a mãe quisesse que seu bebê comesse e dormisse, e o manipulava sem prover sua presença completa. Aí que o comer demais, ou não comer, bem como o não dormir, às vezes, pode se tornar uma maneira de contrariá-la, de cobrar uma dívida. Embora quem acabe pagando essa conta, seja a própria pessoa.

Uma mãe que se ausenta frequentemente e por longos períodos pode induzir um forte estado de ansiedade no seu filho. Há medo quando sai, mas também há medo quando volta, porque a criança não sabe quando sairá novamente. Há mães que ainda utilizam esse terrível medo para “controlar” seus filhos – ameaça abandoná-lo quando não obedecem. Essa ausência não constrói o carinho e desorganiza as emoções. No final, a saída é bloquear os sentimentos amorosos. Às vezes, cultiva um ódio por ter sido submetido a esse círculo vicioso fatal de querer e perder, de novo e de novo.

Uma mãe ausente pode dar origem a seres humanos distantes, embotados, bravos e tristes. Seus filhos aprendem, pouco a pouco que precisam lidar com o mundo sozinhos. Então, para sobreviver a essa situação, que as crianças sentem como muito perigosa, às vezes colocam máscaras: o simpático, o obediente, o insensível, o agressivo... Quando adultos, essas pessoas terão dificuldade em reconhecer o que há por trás dessa máscara que inventaram para lidar com o abandono.

O que é perdido com uma mãe que abandona é a confiança nos outros. Também a esperança de que alguém possa responder às necessidades ou até mesmo nos amar. A partir disso, na vida adulta, amamos tentando criar laços de dependência, que falham repetidamente. O que uma mãe ausente deixa é um ser humano que aprende a estabelecer vínculos de insegurança, desconfiança e, sobre tudo, ansiedade. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Sobre ter (e ser) Mãe

A antiga bênção de Nahualt tem um trecho que diz assim: “Eu liberto meus pais do sentimento de que já falharam comigo”. Penso nas inúmeras vezes que julguei as “faltas” de minha mãe, mesmo quando o erro nem era dela. Talvez pela minha necessidade de achar um bode expiatório para os meus problemas, traumas, angustias e aflições, o caminho mais simples e seguro sempre foi acusar a pessoa que mais fácil me perdoaria: minha mãe.

Após um processo caminhado, hoje, definitivamente, quero libertar minha mãe do sentimento de qualquer culpa. Quero que ela saiba que mesmo que eu discorde de algumas atitudes tomadas no passado, sei que ela fez o que julgou que seria o melhor naquele momento. Tenho a plena convicção de que ela deu o seu melhor. Desejo que ela se sinta leve, sem arrependimentos ou culpas, e que perceba o quanto serviu de base e exemplo para nossa família. Quero que minha mãe saiba que reconheço o seu esforço. Que saiba o quanto sou grata e o quanto aceito os caminhos que trilhou com o intuito de que fôssemos felizes.

Conhecendo minha mãe, sendo mãe e ouvindo muitas mães em minha prática clínica, entendi que mãe falha tentando fazer o melhor e sempre por amor. Mãe falha pela ausência, tentando passar um exemplo de independência, de trabalho, para dar uma condição financeira melhor da que teve. Mãe falha pela presença, tentando ser apoio, companhia e até monitoramento estressante. Falha privando e frustrando; falha mimando e cuidando. Falha em defesa de seus filhos; falha tentando ser sensata e imparcial. Mãe falha sofrendo as nossas dores; falha ignorando os sinais, que na maioria das vezes todos em volta já estão enxergando. Falha suportando tudo, colocando tudo pra debaixo do tapete; falha também rodando a baiana e colocando os pingos nos is. Porém, o que mãe não faz, é desistir. Mesmo falhando, ela está ali, tentando, tentando, tentando... E mesmo errando, continua tentando acertar.

Crescemos, estudamos, adquirimos novos hábitos e costumes, e percebemos que nem tudo foi perfeito na casa onde nascemos. Ficamos críticos, passamos a discordar da educação que tivemos e tentamos agir de outro modo com nossos filhos. Porém, também passamos a repetir aquilo que foi bom. Sem querer, nos flagramos repetindo falas e trejeitos de nossos pais, repetindo brincadeiras, receitas, tentando eternizar tradições familiares.

Hoje, meu desejo é perpetuar o amor de minha mãe por suas filhas e a sua perseverança de tentar. Desejo que, ao entrar em casa, eu esqueça o peso do meu dia e possa ser leve e presente na companhia de minha filha. Que eu possa inspirá-la a fazer o bem, ser forte e paciente, mas acima de tudo, que ela entenda meu desejo de que seja mais amorosa consigo mesma. Que eu consiga acertar mais que errar, mas que ela perdoe minhas faltas, entendendo que sou aprendiz, e sempre desejo o seu bem. Que minha força de minha mãe se faça presente em alguns de meus pensamentos e gestos, me ajudando a repetir e aperfeiçoar a expressão do amor. E que, ao entregar minha filha para o mundo, eu possa confiar no tempo que passamos juntas e acreditar, com satisfação, que ela estará segura e em paz. E que ao ver minha filha voltar, espero enxergar em seus olhos o brilho de quem encontrou seu caminho, ou pelo menos está tentando.

Bem na verdade o que as mães querem é que seus filhos amadureçam, enfrentem a vida com dignidade e principalmente que seus filhos sejam felizes!


Micheli Krayevski Eckel