É tema frequente no
meio científico e em rodas de conversas informais a importância da família na
construção de pessoas saudáveis e maduras. As grandes atrocidades, a violência nas
escolas, crimes com altos níveis de crueldade e até mesmo o uso de drogas, nos
levam a pensar como uma família que falha em sua função é capaz criar
indivíduos altamente disfuncionais socialmente.
Tendo em vista a
questão de coerência com o contexto, se conclui que para esta avaliação de
funcionalidade não pode haver verdades absolutas, e todos os parâmetros devem
ser ajustados à realidade de cada família específica. No entanto, de uma forma
geral, existem alguns itens que são importantes na estruturação de uma família
que auxilia seus membros a serem mais funcionais – que aprendam, cresçam, sejam
autônomos e responsáveis.
Certamente, existem
famílias que ajudam mais, e outras que ajudam menos seus membros a crescer como
pessoas funcionais. Uma família funcional é aquela que cumpre suas funções
básicas de criação e desenvolvimento dos seus membros de uma forma firme e
flexível, adaptada às circunstâncias e aos fatos de cada momento e que ajuda a
todos a estarem sempre num processo de tomada de consciência, de aprendizagem e
de crescimento.
Uma das formas de
avaliar a funcionalidade de uma família é observando as suas fronteiras. Fronteira
é um limite que define quem é, e quem não é, daquele sistema. No caso da
família, essa fronteira deve ser nítida, no sentido de definir quais tarefas e
funções dos membros da família devem ser desempenhadas por eles, e por outro
lado possibilitar intercâmbio, contato e aprendizagens com outras pessoas de
outras famílias ou da família extensa.
Quando as
fronteiras dentro da família (casal, filhos, pais) não são bem definidas, é
comum ter um filho ocupando uma tarefa ou uma função que não deveria ser sua.
Com isso, ele tem seu desenvolvimento perturbado; seu crescimento é impedido; a
passagem das etapas, a mudança de funções, a capacidade de exercer atividades
criativas ficam alteradas. Por exemplo, uma criança que é permitido que
intervenha no casamento de pais, e estes ficam incapazes de ter intimidade
entre si, está cumprindo função disfuncional, e seu lugar como filho
encontra-se mal definido. Isso vai, no futuro, dificultar que ela se liberte e
organize sua vida amorosa, afetiva e sexual, que construa sua própria família.
No caso de haver uma não-separação dentro da família e um fechamento com
relação ao mundo externo, a família aprisiona seus membros, sem possibilitar o
desenvolvimento da autonomia.
Outra forma de
avaliar a funcionalidade familiar é verificar se estão desenvolvendo no seu dia
a dia os aprendizados que são necessários para a criação de indivíduos
funcionais e que é na família de origem o melhor lugar para treiná-las.
Algumas dessas
aprendizagens são ligadas a:
- Limites: todos os
membros da família precisam deles. Os limites começam a ser definidos já na
volta da maternidade – na forma como vão lidar com espaços da casa. É o bebê
quem deve se adaptar a família (e não o contrário). E seguem por toda a vida
familiar, com as tarefas, os horários, rotinas, valores familiares. Isso implica
em direitos e deveres, regras, orientação, contratos e muitos outros itens que
darão à criança a certeza de ser amada, cuidada e orientada. A falta de limites
claros gera na criança (e nos adultos também) a sensação de estar à deriva, de
não ter com quem contar, de insegurança e desamor.
- Abertura e
fechamento: implica em aprender o que é público e o que é privado; o quanto se
pode abrir e aprender com outras pessoas, com outras famílias, com outros
parentes. E também o quanto devem se fechar dentro da família para manter a
identidade, a estrutura e o aconchego familiar. Esse fechamento deve ser o
suficiente para impedir que “os de fora” possam nortear as decisões da família.
- Equilíbrio
dinâmico: é a possibilidade de lidar de forma flexível com todos os aspectos
familiares, mantendo a estrutura e o equilíbrio, mas adequando-os às mudanças,
aos momentos do ciclo vital familiar, aos imprevistos. Para que a família possa
continuar funcionando mesmo com a ausência de um membro.
- Trocas afetivas:
saber conectar com seus sentimentos e sensações, saber expressá-los, saber ser
continente do afeto e dos sentimentos dos outros. Dos sentimentos ditos
positivos (amor, carinho, aconchego, cuidado) como também dos chamados
negativos (raiva, medo, mágoa, tristeza).
- Desenvolvimento
de auto estima: que depende da certeza de que tem a capacidade. É um processo
de descoberta e treinamento das competências reais. Pressupõe aprender a lidar
com as diferenças – de opiniões, de características, de habilidades – e com a
valorização de cada um, mesmo sendo muito diferente. É ser capaz de lidar com
solidão, suportar a rejeição e permitir a privacidade sua e do outro.
- Tarefas: todos na
família devem e precisam cooperar na manutenção da vida familiar. Numa família
funcional todos têm tarefas e responsabilidades. Cada um conforme sua
capacidade, competência e condições. Desde guardar os brinquedos após o uso,
até prover o sustento familiar.
- Autonomia:
adequar o que cada um pode fazer sozinho, precisa de supervisão ou não tem
idade/habilidade/competência para fazê-lo.
- Independência: o
direito à liberdade e independência deve ser concedido a partir de prova de responsabilidade
e autonomia.
Este assunto nunca
se esgotará, nem os itens discutidos serão os únicos, mas servem para ampliar a
reflexão e melhorar nossa forma de organizar nossas famílias.
Abraço
Micheli Krayevski Eckel
Psicóloga
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