quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Funcionalidade da Família



É tema frequente no meio científico e em rodas de conversas informais a importância da família na construção de pessoas saudáveis e maduras. As grandes atrocidades, a violência nas escolas, crimes com altos níveis de crueldade e até mesmo o uso de drogas, nos levam a pensar como uma família que falha em sua função é capaz criar indivíduos altamente disfuncionais socialmente.
Um sistema familiar funcional tem um comportamento que possibilita aprendizagens, crescimento e movimento, e que é coerente com o contexto em que se encontra. Se avaliarmos uma estrutura familiar só sob o ângulo dessa definição de funcional já podemos enxergar como e quando uma família está sendo funcional ou disfuncional na criação dos seus membros.
Tendo em vista a questão de coerência com o contexto, se conclui que para esta avaliação de funcionalidade não pode haver verdades absolutas, e todos os parâmetros devem ser ajustados à realidade de cada família específica. No entanto, de uma forma geral, existem alguns itens que são importantes na estruturação de uma família que auxilia seus membros a serem mais funcionais – que aprendam, cresçam, sejam autônomos e responsáveis.
Certamente, existem famílias que ajudam mais, e outras que ajudam menos seus membros a crescer como pessoas funcionais. Uma família funcional é aquela que cumpre suas funções básicas de criação e desenvolvimento dos seus membros de uma forma firme e flexível, adaptada às circunstâncias e aos fatos de cada momento e que ajuda a todos a estarem sempre num processo de tomada de consciência, de aprendizagem e de crescimento.
Uma das formas de avaliar a funcionalidade de uma família é observando as suas fronteiras. Fronteira é um limite que define quem é, e quem não é, daquele sistema. No caso da família, essa fronteira deve ser nítida, no sentido de definir quais tarefas e funções dos membros da família devem ser desempenhadas por eles, e por outro lado possibilitar intercâmbio, contato e aprendizagens com outras pessoas de outras famílias ou da família extensa.
Quando as fronteiras dentro da família (casal, filhos, pais) não são bem definidas, é comum ter um filho ocupando uma tarefa ou uma função que não deveria ser sua. Com isso, ele tem seu desenvolvimento perturbado; seu crescimento é impedido; a passagem das etapas, a mudança de funções, a capacidade de exercer atividades criativas ficam alteradas. Por exemplo, uma criança que é permitido que intervenha no casamento de pais, e estes ficam incapazes de ter intimidade entre si, está cumprindo função disfuncional, e seu lugar como filho encontra-se mal definido. Isso vai, no futuro, dificultar que ela se liberte e organize sua vida amorosa, afetiva e sexual, que construa sua própria família. No caso de haver uma não-separação dentro da família e um fechamento com relação ao mundo externo, a família aprisiona seus membros, sem possibilitar o desenvolvimento da autonomia.
Outra forma de avaliar a funcionalidade familiar é verificar se estão desenvolvendo no seu dia a dia os aprendizados que são necessários para a criação de indivíduos funcionais e que é na família de origem o melhor lugar para treiná-las.
Algumas dessas aprendizagens são ligadas a:
- Limites: todos os membros da família precisam deles. Os limites começam a ser definidos já na volta da maternidade – na forma como vão lidar com espaços da casa. É o bebê quem deve se adaptar a família (e não o contrário). E seguem por toda a vida familiar, com as tarefas, os horários, rotinas, valores familiares. Isso implica em direitos e deveres, regras, orientação, contratos e muitos outros itens que darão à criança a certeza de ser amada, cuidada e orientada. A falta de limites claros gera na criança (e nos adultos também) a sensação de estar à deriva, de não ter com quem contar, de insegurança e desamor.
- Abertura e fechamento: implica em aprender o que é público e o que é privado; o quanto se pode abrir e aprender com outras pessoas, com outras famílias, com outros parentes. E também o quanto devem se fechar dentro da família para manter a identidade, a estrutura e o aconchego familiar. Esse fechamento deve ser o suficiente para impedir que “os de fora” possam nortear as decisões da família.
- Equilíbrio dinâmico: é a possibilidade de lidar de forma flexível com todos os aspectos familiares, mantendo a estrutura e o equilíbrio, mas adequando-os às mudanças, aos momentos do ciclo vital familiar, aos imprevistos. Para que a família possa continuar funcionando mesmo com a ausência de um membro.
- Trocas afetivas: saber conectar com seus sentimentos e sensações, saber expressá-los, saber ser continente do afeto e dos sentimentos dos outros. Dos sentimentos ditos positivos (amor, carinho, aconchego, cuidado) como também dos chamados negativos (raiva, medo, mágoa, tristeza).
- Desenvolvimento de auto estima: que depende da certeza de que tem a capacidade. É um processo de descoberta e treinamento das competências reais. Pressupõe aprender a lidar com as diferenças – de opiniões, de características, de habilidades – e com a valorização de cada um, mesmo sendo muito diferente. É ser capaz de lidar com solidão, suportar a rejeição e permitir a privacidade sua e do outro.
- Tarefas: todos na família devem e precisam cooperar na manutenção da vida familiar. Numa família funcional todos têm tarefas e responsabilidades. Cada um conforme sua capacidade, competência e condições. Desde guardar os brinquedos após o uso, até prover o sustento familiar.
- Autonomia: adequar o que cada um pode fazer sozinho, precisa de supervisão ou não tem idade/habilidade/competência para fazê-lo.
- Independência: o direito à liberdade e independência deve ser concedido a partir de prova de responsabilidade e autonomia.
Este assunto nunca se esgotará, nem os itens discutidos serão os únicos, mas servem para ampliar a reflexão e melhorar nossa forma de organizar nossas famílias.

Abraço
Micheli Krayevski Eckel
Psicóloga

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