A psicanalista francesa Catherine Audibert escreveu em 2008 um livro intitulado “A capacidade de ficar sozinho” (tradução livre), nele ela traz seus estudos voltados às relações objetais. Audibert não enfoca no comportamento aditivo propriamente dito, mas sim no mecanismo psíquico e emocional da adicção. E quando se refere ao comportamento aditivo, não se refere somente ao uso compulsivo de drogas, mas também o jogo, sexo, compras...
Importante ressaltar de antemão,
que anterior a adicção, está a incapacidade dessa pessoa estar só, sem que seja
invadida por um intenso sentimento de solidão.
No conceito winnicottiano da
transicionalidade é por onde pode-se começar a compreender a adicção, que é
concebida e fixada na primeira infância.
A ilusão da onipotência é o
termo que se define pela certeza que o bebê tem que o seio que o amamenta é parte
integrante de seu próprio corpo. É função da mãe, uma mãe suficientemente boa, ir
gradativamente o desiludindo e fazendo do seio não mais parte integrante, mas
sim uma posse (no sentido objeto). “Pertence-me, mas não sou eu”
Posteriormente, ocorre a cisão
e a criança opta por um objeto transicional (pode ser um ursinho, um paninho...).
Este objeto, que remeterá a presença materna, e por isso é essencial que seja
um objeto bom, não permitirá que a solidão o domine. Só que ao contrario do
seio que não estava disponível constantemente, o objeto transicional é
conservado pela criança. Ela é quem decide a distância entre ela e tal objeto.
A ligação e o afastamento do objeto
transicional deixa no sujeito uma marca: fica na mente do indivíduo um espaço
transicional que, assim como o objeto transicional, é intermediário entre o
interno e o externo. É nesse espaço que se produz muitas das atividades
criativas do homem, como as artes, a musica, etc. que “representam” o mundo
interno para o exterior e, em certo sentido, “representa” a realidade para si
mesmo.
A proposta teórica da Catherine
Audibert é a de que se tome a capacidade ou incapacidade de estar só como uma
nova linha divisória entre o normal e o patológico. O próprio sentimento de ser
estaria condicionado à possibilidade de se gozar uma solidão serena, por
oposição a uma solidão mortífera.
Os adictos tentam fugir do
vazio uma vez que o outro preencheu tudo, essa mãe esteve intensamente presente
e supriu em demasia todas as suas necessidades – foi o excesso de leite –,
mas o vazio é um vazio necessário. O preenchimento total faz com que a ausência
seja gigantesca! Então a solidão que não foi aprendida a lidar e que não o ensinou
a se proteger do outro, ele busca a droga, para se proteger do outro e de si
mesmo.
A presença do desejo do adulto
não propicia o espaço seguro de que a criança precisa para a constituição de
uma interioridade confortável, à qual cada pessoa precisa poder recorrer
ocasionalmente e com a qual deve poder contar. É sobre o ambiente que não
permite que este espaço se constitua, dá para pensar que alguns pais não deixam
a sua criança gozar momentos de solidão, pois eles são por demais presentes,
estimulantes, excitantes, angustiantes ou por demais dependentes desta criança
que tem por vezes a função inconsciente de evitar a solidão de seu (seus) pais
(comumente a mãe).
Normalmente se pensa em uma
personalidade dependente em sujeitos privados, mas bem na verdade a grande maioria
dos comportamentos aditivos decorrem de um sujeito deprivado.
As adicções podem ser pensadas
como uma estratégia paralela de sobrevivência. Elas se colocariam como uma
última tentativa de defesa antes da loucura, ou mesmo da morte psíquica. O uso
de determinadas drogas seria uma forma de buscar aquela solidão serena, um
resguardo com relação ao objeto, a construção de um espaço de proteção que não
pode ser desfrutado de outra forma.
A adicção seria uma tentativa
de passar sem o outro, evitar essa experiência vivida como insuportável. A
alteridade constrange o sujeito a sair de sua reserva protegida e a embriaguez
seria um recurso para fazer calar a angústia e reencontrar a quietude. A droga seria
o seu objeto transicional, que o faz ter uma relação do interno com o externo.
A dependência de um objeto
(droga, jogo etc.) seria a procura desesperada por não depender mais do outro
humano, cuja presença é insuportável. Os objetos de investimento passam a
funcionar segundo o modelo da perversão: eles são efetivamente desconsiderados
em sua alteridade e reduzidos a simples e controláveis objetos de gozo. Esta
dependência é então uma resposta (reação) à primeira dependência, não um
simples prolongamento dela.
O que torna a estratégia
adictiva paradoxal é que, na ânsia por não depender do outro, corre-se o risco
de se passar a depender de forma primária de um objeto externo, do qual a
pessoa se torna escrava – que é sentido do termo “adicto”. A relação com o
objeto transita do campo do desejo e do prazer para o da autoconservação.
Assim, em um recurso bastante
distinto do neurótico, o adicto recuaria a um estado de pura sensação: a busca
por uma sensação de tal intensidade que lhe impede de perceber a existência ao
outro. O relato de sentimento de embotamento emocional é frequente, como se
estivesse com ausência de qualquer sentimento
Sob o efeito da substancia a
confusão e o ruído do mundo são afastados e ele encontra entorpecimento
apaziguante. Aquilo que é sempre apontado como um dos grandes prejuízos
sofridos pelo adicto – o empobrecimento do repertorio de interesses na vida e a
redução de tudo resumido simplesmente à busca pela “próxima dose”. É como se
houvesse uma redução geral da experiência e o mundo ficasse mais simples, com
menos “itens” a controlar.
Isto vem ao encontro, de forma
dramática, do que observamos sobre as adicções e sua busca compulsiva e
exclusiva por sensações prazerosas, a tentativa de evitar a intersubjetividade,
a redução do outro a uma dimensão de simples objeto de uso e gozo.
As adicções e compulsões
certamente são um importante caminho para a compreensão de como se constitui e
estrutura (ou mal se constitui) a subjetividade.
“É por razões inexplicáveis que
toda pessoa do mundo nasce com um grande buraco no meio do peito. Ainda que não
seja desconfortável é normalmente considerado indesejável... e muitas pessoas
tentam preencher com alguma coisa. Tem gente que preenche com religião, outros
compram coisas e alguns até colocam outras pessoas. EU deixo o meu como está...
porque acho que se eu correr contra o vento no ângulo certo ele cantará um
assovio”
Micheli Krayevski Eckel - Psicóloga
Muito boa esta materia na tlnha lido nada por este angulo
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