O livro de George De
Leon, A Comunidade Terapêutica – Teoria, Modelo e Método, é tido como o manual
base para as comunidades terapêuticas (CT) que buscam trabalhar com
cientificidade em seu tratamento. A CT tem um propósito geral, uma estrutura
organizacional, regras formais e/ou informalmente partilhadas, valores, crenças
e costumes específicos da própria cultura. O intuito mais amplo é transformar
estilos de vida e identidades pessoais. Sua estrutura (organização social), sua
população (funcionários e residentes) e sua rotina diária de atividades
(grupos, reuniões, trabalho e recreação) são projetadas para facilitar o
tratamento, o aprendizado e a mudança dos indivíduos.
Quando
se trata da concepção do transtorno para a CT, De Leon explicita claramente que
este se difere da concepção biomédica tradicional. Um dos aspectos é que a CT não
difere o transtorno do abuso de substancia para o usuário abusivo de
substâncias - ambos necessitam uma mudança no estilo de vida para recuperar sua
saúde global.
Para
um diagnóstico preciso são abordados quatro áreas e indicadores da manifestação
do transtorno:
- Uma
vida em crise: a pessoa percebe que seus comportamentos estão
descontrolados; apresenta potencial suicida, por overdose, dirigir sob efeito
de substancia, ou mesmo outros métodos diretos; tem alto grau de ansiedade,
referente a diversas situações da vida e o medo inerente de violência, prisão,
doenças, morte; percebe um histórico de perdas pessoais, financeiras,
relacionamentos que terminam ou mesmo a perda de empregos.
- Incapacidade
de manter a abstinência: não consegue manter sozinho um período
significativo de abstinência, normalmente já tentou parar sozinho ou mesmo fez
tratamentos anteriores. Esta incapacidade se soma ao uso de múltiplas drogas,
mesmo tendo uma como preferência.
- Disfunção
Social e Interpessoal: tem
sua capacidade de agir de modo responsável reduzida, ou por vezes até anulada o
que aumenta a deficiência em manter empregos ou as atividades escolares.
Normalmente apresenta relacionamentos disfuncionais com os pais, cônjuge e até
mesmo com amigos não usuários. A própria pessoa percebe a necessidade de
habilitar as funções sociais e que a CT o (re) socialize.
- Estilo de vida
antissocial: suas atitudes são de exploração, maus-tratos, violência,
rejeição e/ou ausência de valores sociais. Comumente traz histórico criminal ou
internações por determinação judicial.
É perceptível que esse transtorno
afeta a pessoa por inteiro e tem diversos aspectos de sua vida comprometidos.
Os problemas cognitivos, como também déficits de capacidade verbal, de leitura,
escrita e mesmo na realização de tarefas cotidianas; seu comportamento é
afetado, bem como os pensamentos que são desorganizados e irrealistas; há
também perturbação no humor, que tanto pode se tornar depressivo, ansioso ou
maníaco; seus valores sociais são confusos ou inexistentes.
É perceptível que mais importante do que a droga em si, é o estilo de
vida que o levou a fazer o uso da substancia. Assim, não é a droga, mas sim a
pessoa. A droga passa ser sintoma de uma vida disfuncional, com fatos marcados
por violência, criminalidade, acidentes de transito, como também tentativas de
suicídio, comportamento sexual de risco, negligencia familiar, entre outros.
Quando se pensa de onde vem o transtorno, qual sua fonte, as respostas
são mistas. Não se tem uma resposta ao certeira, mas há indícios que somados
podem levar a uma origem. Há indícios que mostram que um baixo nível
socioeconômico e um aprendizado excludente podem ser um possível causador do
transtorno. Na base também pode estar as disfunções familiares, os cuidados parentais
deficientes, assim como os modelos negativos de comportamento. Uma
personalidade contestatória também pode ser sinal para o transtorno.
Um elemento essencial do transtorno é a incapacidade que os indivíduos
revelam de assumir a responsabilidade por suas decisões e ações. Se escondem
por detrás da substancia e não assumem a responsabilidade cabível a pessoa.
Eles são responsáveis por suas ações e pelas opções que fazem, em particular no
tocante ao uso de drogas. Esta é uma das grandes dificuldades no tratamento em
CT, todas as possíveis fontes do transtorno tornam-se secundarias quando
deparada com “o que farei com tudo isso?”.
Todos, incluindo residentes, funcionários, voluntários ou qualquer pessoa
que visitar a CT faz parte do processo e deve seguir o mesmo ritmo de
funcionamento (normas de moradia, cronograma, bem-viver). Todos são membros da
CT, formam um organismo vivo.
Relevante também é contextualizar alguns conceitos biomédicos na
perspectiva da CT.
Desintoxicação: As crises que envolvem o sofrimento físico e psicológico e os episódios
de abstinência e desintoxicação podem ser oportunidade e mudança de longo
prazo. Pode ser um passo inicial para um processo mais intenso, como o
tratamento em CT.
Fissura: No período de desintoxicação a fissura é mais comumente relacionada a
fatores fisiológicos. Com o passar do tempo, as fissuras são desencadeadas por
causas sociais e emocionais.
Farmacoterapia: Na perspectiva da CT, medicações que alterem estados emocionais,
físicos ou mentais podem reforçar o transtorno e impedir que ocorra o processo
de recuperação. Algumas CT’s aceitam o uso limitado de psicofármacos como
auxilio da depressão e ansiedade associadas aos efeitos pós-uso.
Predisposição
Psicológica para o Abuso de Drogas: Na concepção da
CT, a propensão psicológica pode ter relação com fatores da personalidade ou
com subtratos biológicos. Mas é adquirida por meio da repetida associação de
sentimentos e estados cognitivos com o uso de drogas. A CT ajuda os residentes
a reconhecer, aceitar e administrar sua propensão psicológica a usar
substâncias.
Doença, transtorno
e enfermidade: Com a concepção de tratamento de pessoa inteira,
justifica a consideração do abuso de substancia não como uma doença, mas como
um transtorno. Comumente doenças médicas e psiquiátricas são associadas a Dependência
Química – estas são vistas como consequência do uso abusivo e estilo de vida
estabelecido.
Os genes, o cérebro
e a dependência química: Há envolvimento de fatores
genéticos – hereditariedade no alcoolismo; identificação dos neurotransmissores
envolvidos no uso de substâncias; também há o reconhecimento da importância dos
fatores biológicos (predisposições, elementos físicos da fissura, influencias
na desintoxicação).
É a PESSOA que assume a RESPONSABILIDADE por sua própria RECUPERAÇÃO. A
dependência química é um sintoma, não a essência do transtorno, que esta
envolto das condições biopsicossocioespiritual, ou seja, globalmente envolvido
com o estilo de vida do abusador de substancias. O problema é a pessoa, não a
droga.
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