É sabido o quanto acontecimentos na infância influenciam na caracterização de nossa personalidade. Fatos traumáticos, violência familiar, bullying escolar, entre outros, acabam por desencadear comportamentos disruptivos. Esses comportamentos que por muitas vezes passam a ser punidos e vem junto um discurso moralista por parte dos adultos ao seu entorno, mas na realidade não passam de um grito de socorro! É um sinalizador de que há algo falho emocionalmente nessa criança e que ela precisa de um ambiente suficientemente bom pra lhe dar suporte.
Como trabalho com
dependência química, por inúmeras vezes as escolas, empresas e outras
instituições me chamam para fazer prevenção ao uso de drogas, mas isso não é
possível. Não existe palestra no mundo que vá fazer alguém não vir a
desenvolver a desvinça e a dependência química. A ação que funciona seria
habilitar as famílias, em especial as mães, a fornecerem um ambiente saudável
para o bebê desde o seu nascimento.
Há mães que, por algum motivo, não cumprem satisfatoriamente as funções de uma mãe suficientemente boa. Realizam uma maternagem deficiente, que pode conduzir ao surgimento de um sintoma ao longo do processo de amadurecimento. Embora a preocupação materna primária seja um estado psicológico naturalmente desenvolvido com a vinda de um bebê, existem mulheres que resistem em assumir esse papel. Dedicada a outras atividades, algumas mulheres não conseguem e não permitem uma identificação, uma ligação com seu bebê. Muitas irão realizar uma maternagem rígida e guiada por regras racionalmente estabelecidas. Vindas de livros sobre educação, algum site de conselhos ou mesmo o que uma amiga lhe ensinou. Assim, possivelmente irá conseguir prover para o seu bebê alguns cuidados básicos, mas essa mãe não será capaz de desenvolver uma comunicação profunda e significativa com seu filho. O bebê não terá suas demandas identificadas e atendidas, pois a mãe que age mecanicamente, não pensa nas necessidades do bebê, mas naquilo que precisa ser feito, como um protocolo determinado por ela mesma, que envolve basicamente alimentação e higiene.
Certamente haverá déficit no amadurecimento quando existir falhas no processo de desenvolvimento da criança. O déficit está vinculado diretamente ao momento em que as falhas ocorreram na linha de evolução, que parte do estágio de dependência absoluta, passando pela dependência relativa e rumo à independência relativa.
Alguns
sintomas podem estar relacionados com falhas no holding (que é o cuidado),
no handling (que é o manejo, a manipulação) e também na apresentação de
objetos. As falhas em estágios primitivos do desenvolvimento contribuem para
patologias graves. Nos estágios posteriores as patologias serão cada vez menos
graves, em função do amadurecimento do ego
já acontecido.
No estágio de
dependência absoluta, nos primeiros meses de vida, uma mãe e um ambiente
suficientemente bom previne o desenvolvimento de uma deficiência mental
não-orgânica, do autismo ou da esquizofrenia.
No estágio de
dependência relativa, que ocorre a partir de uns 6 meses de vida, ou quando o
bebe for capaz de adotar um objeto transicional (aquele paninho ou brinquedo
estimação), existe ali uma pessoa que pode ser traumatizada e, portanto, uma
falha neste período pode acarretar tendências antissociais e distúrbios
afetivos.
Já a
independência relativa, na qual a criança tende a apresentar a capacidade de
cuidar de si mesma a falha ambiental não será necessariamente prejudicial. Devido
ao nível de amadurecimento do ego já estruturado.
Um ambiente propício para a
maturação e desenvolvimento de uma pessoa emocionalmente saudável deve conter
alguns aspectos que são relevantes para apresentar uma condição de
desenvolvimento. A principal característica desse ambiente é uma
funcionalidade, ou seja, na estruturação é uma família que auxilia seus membros
a serem mais funcionais – são pessoas que aprendem, crescem, são pessoas com responsabilidade
e autonomia.
Pais ou cuidadores
suficientemente bons são aqueles que cumprem suas funções básicas de criação e desenvolvimento.
São de uma forma firme e flexível, adaptada às circunstâncias e aos fatos de
cada momento e que ajuda a todos a estarem sempre num processo de tomada de
consciência, de aprendizagem e de crescimento.
Uma forma de avaliar o
ambiente familiar é verificar se estão desenvolvendo no seu dia a dia os
aprendizados que são necessários para a criação de pessoas funcionais e cada
vez mais rumo a independência e autonomia.
Algumas dessas aprendizagens
são ligadas a segurança oferecida através de limites claros. Afinal, todos os membros
da família precisam de limites, os bebês e crianças pequenas ainda mais. Os
limites começam a ser definidos logo no nascimento, onde se oferece o colo, o
seio e o espaço que o bebe irá utilizar. E seguem por toda a vida familiar, com
as tarefas, os horários, rotinas, valores familiares. Isso implica em direitos
e deveres, regras, orientação, contratos e muitos outros itens que darão à
criança a certeza de ser amada, cuidada e orientada. A falta de limites claros
gera na criança (e nos adultos também) a sensação de estar à deriva, de não ter
com quem contar, de insegurança e desamor.
Só
quando há segurança no ambiente que o bebê pode utilizar seus impulsos,
inclusive os de agressividade, de forma positiva, sem criar dificuldades para
o ambiente e para si. A agressividade, principalmente aquela, expressa pelo
bebê em seu primeiro ano de vida e que coexiste com o amor, deve ser suportada
pelo ambiente. O ambiente necessariamente precisa manter-se estável aos
ataques sofridos.
O
desenvolvimento saudável da criança necessita de um sentimento de confiança,
que seja constante e capaz de recuperar-se sempre após um ataque, pois a
confiança no ambiente será testada pela criança sempre que ela achar necessário.
Somente com a permanência do ambiente confiável e seguro é que o bebê
desenvolverá a capacidade de preocupar-se quanto aos seus atos, redirecionar
seus impulsos agressivos a impulsos construtivos.
A destrutividade
pertence a todos os sujeitos, quando se perde o direito de exercê-la e de dar
conta dela, paga-se um preço por isso. Perde-se a capacidade de assumir responsabilidades
e a saúde psíquica está atrelada a esta capacidade.
Donald Winnicott, é enfático
ao afirmar que a expressão da agressividade não deveria ser negada, pois só
assim o ser humano poderá aproveitá-la para reparar e restituir suas ações
agressivas por meio do desenvolvimento de recursos internos, de um bom ambiente
interno. Para o amadurecimento do ser é fundamental o desejo inconsciente de
querer reparar, corrigir, drenar os instintos, reconhecer a crueldade que
existe em si. Este é o único caminho para sublimar estes impulsos por meio de
atividades construtivas.
Quando a criança
se comporta de modo antissocial, não significa necessariamente que está
doente, o comportamento antissocial, na maioria das vezes, é um pedido de um
controle, que precisa vir do exterior e realizado por pessoas fortes, amorosas
e confiantes, que possibilitem um envolvimento afetivo. Estando sob o controle
exterior a criança antissocial poderá ficar bem. Ela busca por este controle e
quando não o tem, em algum momento, se sentirá ameaçada pela loucura. Irá transgredindo
contra a sua família ou sociedade com o objetivo de restituir o controle
advindo do ambiente externo. Esta busca está permeada por um sentimento de
esperança. Esperança de encontrar no ambiente externo aquilo que falhou no estágio
da dependência relativa.
Talvez, alguns devem estar
se perguntando: como se faz para transmitir um ambiente seguro para um sujeito
na primeira infância? Não tem uma formula mágica, mas existe alguns itens que
podem ser exercitados pelos pais que desejam prevenir a instalação de
comportamentos antissociais em seus filhos e consequentemente o desenvolvimento
da drogadição.
O
ideal seria que o ambiente, respondesse aos atos antissociais da criança os
reconhecendo, nomeando e os ajudando a administrar. Desse modo o momento de
esperança pode ser correspondido. O ambiente que não responde dessa forma deixa
a criança sem esperança e é novamente no ato antissocial que ela vai
reencontrá-la.
É
de extrema importância, em relação à tendência antissocial, que atitudes sejam
tomadas no princípio do seu desenvolvimento, sejam elas no âmbito familiar ou
da clínica. Torna-se cada vez mais difícil alcançar a cura para a desviança
deixando o tempo passar. A criança pode torna-se cada vez mais difícil. É
importante evitar que a defesa antissocial organizada se instale na conduta do
sujeito, pois isso resultaria na delinquência. Na delinquência estão acrescidos
os ganhos secundários dos atos e isto torna ainda mais difícil a possibilidade
de intervenções que levem à cura. Além disso, as reações sociais, frente aos
atos delinquentes, intensificam-se tornando a situação ainda mais difícil.
Para que os
casos de tendência antissocial não evoluam para a delinquência é fundamental
uma atitude vinculada a cuidados básicos com o objetivo de prevenir a manifestação
da própria tendência antissocial, uma vez que pais e responsáveis sejam
orientados e informados sobre a relevância das suas funções e papéis para o
desenvolvimento saudável de seus filhos. Ele precisam entender que diante da
não realização de ações ambientais suficientes para o amadurecimento emocional,
um comportamento antissocial pode se apresentar como reação à deprivação.
Assim, os limites claros,
como citei anteriormente, são tão importantes quanto as trocas afetivas, ou
seja, saber conectar com seus sentimentos e sensações, saber expressá-los,
saber ser continente do afeto e dos sentimentos dos outros. Isso tanto dos
sentimentos ditos positivos (amor, carinho, aconchego, cuidado) como também dos
chamados negativos (raiva, medo, mágoa, tristeza). Todos os sentimentos devem
ser validados e ajudar as crianças e expressa-los e administrá-los.
É relevante também nesse
processo que o ambiente suporte no desenvolvimento da auto estima, que consiste
na certeza de que ele tem a capacidade no seu fazer. É um processo de
descoberta e de treinamento de suas competências. É necessário aprender a lidar
com as diferenças – de opiniões, de características, de habilidades – e principalmente
com a valorização de cada um, mesmo sendo diferente. É aqui que se aprende a ser
capaz de lidar com solidão, suportar a rejeição e os obstáculos que a vida irá
impor. A auto estima é necessária como um suporte para as futuras frustrações.
O ambiente precisa também permitir
o desenvolvimento da Autonomia. Que é simplesmente adequar o que cada um pode
fazer sozinho, o que precisa de supervisão ou o que a criança não tem ainda
idade, habilidade ou competência para fazê-lo. Importante destacar o ‘ainda’,
pois em um processo evolutivo, ele chegará a se desenvolver para tal atividade.
E um adulto jamais deve fazer por uma criança aquilo que ela dá conta de fazer
sozinha. Se isso acontecer, estará aleijando seu desenvolvimento motor e
emocional. É preciso permitir que faça e que explore seus limites. As tarefas
devem ser simples num primeiro momento, mas nos sinais de responsabilidade deve ser ampliado esse
limite. O que irá oportunizar o processo de independência.
Ninguém no mundo nasce
sabendo oferecer um ambiente saudável para seus filhos, mas é preciso maturação
e suporte emocional para que possamos através da conexão afetiva nos ligarmos
ao instinto e assim disponibilizar desenvolvimento para que as crianças
caminhem rumo a independência.
Micheli Krayevski Eckel - Psicóloga
Muito pertinente esse assunto na atualidade.Gratidão!!!
ResponderExcluir