terça-feira, 18 de maio de 2021

CT's NÃO são manicômios

Com as mudanças na Política Nacional sobre Álcool e Drogas (PNAD), de 2019, houve a redefinição e a inclusão de serviços e dispositivos de saúde que passaram a integrar a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Entre eles estão as Comunidades Terapêuticas (CT's), dispositivo destinado a tratar dependentes químicos. Desde essa medida ressurgiu um desinformado, e podemos dizer, mal-intencionado debate de que as CTs são um retorno aos antigos manicômios. Ou seja, querem dizer que são lugares de reclusão, que afastam os pacientes de seus familiares ou ainda que são uma tentativa de higienização social.

Assim, por eu conhecer intensamente o trabalho da ATENA (www.atenamafra.org.br) e de muitas outras CT’s que desenvolvem um trabalho ético a partir de boas práticas clínicas, baseadas em evidências científicas, busco aqui desmistificando, principalmente para profissionais de saúde, conceitos equivocados sobre esse equipamento de saúde que merece nosso olhar respeitoso e atento. Inclusive para que haja melhoria nos serviços prestados.


As CT’s podem ser definidas como ambientes residenciais livres de drogas, com trabalhos voltados para a (re)habilitação psicossocial. Trata-se de um ambiente de intensa interação social entre seus pares, onde as pessoas com problemas de dependência química convivem de forma organizada e estruturada para promover uma mudança em seu estilo de vida. Estão livres de drogas, enquanto recuperam a sua saúde física, reconstroem valores pessoais e sociais, buscam autoconhecimento e novas formas de estabelecer relações saudáveis.. Também é um ambiente de resgate de autoestima, dignidade, amor próprio, autonomia, ajuda ao próximo e uma visão realista de si e de sua família. A comunidade terapêutica é destinada a ajudar as pessoas num compromisso com a mudança de si mesmo, com a busca da honestidade pessoal e resgate de um projeto de vida, não mais um projeto de morte.

É importante entendermos que a recuperação é considerada um processo demorado em longo prazo, em etapas, numa somatória de cuidados e evoluções pessoais. Não existe um modelo único que funcione para todos. Cada indivíduo terá necessidades diferentes e precisará de equipamentos diferentes de cuidados mediante as necessidades do quadro clínico e da evolução de sua doença naquele momento de vida.

O acolhimento em CTs é tipicamente maior do que em programas de curto prazo (como deseintoxicação hospitalar), mas em geral aqueles que permanecem por mais tempo têm resultados significativamente melhores do que as pessoas que abandonaram precocemente. Isso levou as CTs a promoverem adaptações com a melhoria do acolhimento, com o melhor envolvimento da família e da rede social, bem como o uso da promoção da permanência inicial por meio de entrevistas motivacionais, indução na cultura da CT e outros tipos intervenções psicossociais. Posteriormente ao acolhimento em CT os cuidados contínuos são necessários para manter a recuperação que foi iniciada. Alguns estudos revelaram que a prestação de cuidados, aliada à combinação do tratamento em CT e subsequente cuidado posterior, tem gerado melhores resultados quando a rede de assistência trabalha de forma integrada e de forma eficiente. Realidade essa que no Brasil é  muito falha

A CT é uma experiência em desenvolvimento contínuo que vem reconfigurando as diversas ferramentas de tratamento e de formação das comunidades de mútua ajuda em uma metodologia sistemática de transformação de vidas. Apesar da longa e mundial disponibilidade do tratamento do modelo de CTs, muitas delas sobreviveram com poucos ou nenhum investimento público.

Muitas críticas sobre as Comunidades Terapêuticas passaram a ser apresentadas e as muitas delas passaram a ser questionadas de forma veemente. Entre as críticas estão os altos custos do tratamento residencial de longo prazo, a falta de evidência de eficácia e desrespeito aos direitos humanos percebidos em alguns dos locais visitados. Também são questionadas as altas taxas de evasão e recaída, expectativas pouco realistas, normas sociais de boa convivência entre os pares muitas vezes interpretadas como muito rígidas e a presença do elemento espiritual/religioso.

Apesar de uma longa tradição de experiências de CTs no Brasil e no mundo, a base de evidências cientificas para a efetividade do modelo é ainda limitada. Até porque, a abstinência e o término do tratamento foram as únicas medidas de desfecho nos principais estudos e não objetivaram outras mudanças (menor criminalidade, engajamento em empregos pós tratamento, etc). Somente um único estudo conduzido pelo dr. Pablo Kurlander trouxe dados pós acolhimento diferentes da abstinência absoluta.

Atualmente, muitas Comunidades Terapêuticas oferecem uma abordagem de tratamento, caracterizada pela variedade de recursos terapêuticos oferecidos. Assim como qualquer outro serviço e equipamento de saúde, necessita do desenvolvimento constante de pesquisas e capacitação dos profissionais para oferecer aos dependentes de drogas e seus familiares um atendimento com respeito e profissionalismo, contribuindo para uma mudança verdadeira de estilos de vida.

No Brasil, as CTs são regulamentadas pela RDC 29/2011 da ANVISA e CONAD 01/2015. Aqui, considera-se que as CTs financiadas pelo plano nacional sigam o rigor de suas normativas, fiscalizações e aprimoramentos adequados. O fato de que elas foram incluídas na RAPS não significa que todos os pacientes devem se tratar utilizando essa modalidade, mas sim que ela será mais uma das possibilidades existentes, o que é muito louvável. Destaca-se a importância da fiscalização para que funcionem de acordo com os Direitos Humanos e com as normas técnicas promulgadas, as quais incluem a presença de equipe multidisciplinar, a possibilidade de uso de medicação e o fato de ser um tratamento predominantemente voluntário, em liberdade. Assim, estão longe de serem locais “manicomiais” e muitas delas prestam um valioso trabalho no resgate de vidas e histórias.

Micheli Krayevevski Eckel - Psicóloga da ATENA

 

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