Políticos e outras lideranças, convencidos do
fracasso da estratégia convencional de enfrentamento do consumo de drogas cada
vez mais crescente no mundo todo, discutem a liberalização do uso de drogas,
especialmente da maconha. Assim tem acontecido em alguns estados dos Estados
Unidos e no Uruguai, por exemplo. Neste momento, é importante rever aspectos
quanto a segurança do uso, mesmo que recreativo, dessa substancia. Os riscos
que os componentes dessa planta geram não podem ser suprimidos diante de poucos
supostamente benefícios que ela pode vir a causar.
A ideia é liberar o consumo da cannabis com a
justificativa de que seria um mal menor. Essa opção, no entanto, pode ter sido
equivocada, pois os problemas se agravam, dificultando ainda mais a consciência
de uma situação que, por si própria, é de enorme complexidade. E isso porque a
maconha e outras preparações da cannabis, ricas em delta-9-tetra-hidrocanabinol
(THC), conforme Relatório Mundial sobre Drogas de 2013, da Organização das
Nações Unidas (ONU), comprovadamente prejudicam o funcionamento cerebral, com
redução da memória, do aprendizado, prejuízos cognitivos, volitivos,
intelectuais e para a saúde física em geral, ainda agravam transtornos mentais
preexistentes, principalmente psicoses do grupo das esquizofrenias. Mais que isso:
essas substâncias perturbam gravemente o amadurecimento da personalidade e a
integração das experiências emocionais. A esquizofrenia, certamente, é a pior consequência
− por sua irreversibilidade, enorme sofrimento e grandes prejuízos individuais,
familiares e para toda a sociedade – porem, outras ações nocivas sobre o desenvolvimento
individual são marcantes. Elas incluem o transtorno esquizotípico da
personalidade (TEP) e alterações cognitivas, que também podem ser
irreversíveis. Por tudo isso, de forma absolutamente preocupante, põem em risco
a saúde geral da população, com consequências que sequer podem ser devidamente
avaliadas.
As alterações físicas e mentais associadas à
cannabis são relatadas há milênios e pesquisas científicas realizadas nas
últimas décadas confirmam essa situação. Em 1987 foi publicada a primeira
avaliação periódica de um universo de 50 mil suecos, acompanhados sistematicamente
desde seu alistamento militar em 1969, quando tinham 18 anos de idade. Os
jovens que na época já haviam usado cannabis 50 vezes ou mais, tiveram 6 vezes
mais risco de internação por surto esquizofrênico. Durante muitos anos essa
informação foi desvalorizada, por detalhes metodológicos da pesquisa. Esse
risco foi recalculado 15 anos depois, como sendo de 2,3 vezes maior, após houve
a exclusão de variáveis que poderiam ter contribuído para o desfecho anterior. Em
2011, a reavaliação, após 35 anos dos 50 mil recrutas suecos, com novas técnicas
de controle, resultou em estimativas de risco 3,7 vezes maior para
esquizofrenia, 2,2 vezes para psicose breve e 2 vezes para outras psicoses.
Ainda em 2011, houve uma revisão da incidência de esquizofrenia em dez estudos na
população geral de oito países − Suécia, Israel, Alemanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha,
Grécia, dois estudos na Holanda e dois na Nova Zelândia – que indicou risco
relativo de 1,5 a 4,3 vezes maior nos usuários de cannabis, que em não usuários.
Em 2012, a revista Schizophrenia Research, da
Schizophrenia International Research Society, publicou um estudo com 804
americanos avaliados entre os 13 e 33 anos, mostrando que, entre os 567 que
alguma vez usaram cannabis, os que se iniciaram antes dos 14 anos tinham maior
risco de evoluir para um TEP, caracterizado por sintomas psicóticos atenuados,
como experiências sensoriais incomuns, crenças não compartilhadas, comportamento
estranho e isolamento social. Na adolescência o cérebro encontra-se
particularmente vulnerável à ação de substâncias como o álcool e drogas em geral.
Nessa fase da vida, os sistemas neuronais do córtex cerebral pré-frontal e do
córtex parietal, responsáveis pela formulação do pensamento de maior
complexidade e das funções executivas de um adulto normal, sofrem sequelas em
suas sinapses com as alterações provocadas pelas drogas.
Apesar de as verdades científicas deverem ser
transitórias, as evidências exigem um claro posicionamento em termos de saúde
pública quanto ao uso da cannabis. Não há como justificar a legalização do uso de
drogas como maconha, haxixe, ou mesmo o THC puro, nem mesmo para fins
medicinais. Elas têm componentes tóxicos altamente perigosos e colocam em risco
a saúde da população.
A descriminalização é uma questão importante
e que justifica abordagens específicas, mas não pode ser confundida com a
liberação do uso recreativo indiscriminado. Novas reflexões e pesquisas
cientificas poderão contribuir para melhorar a saúde do conjunto da sociedade,
principalmente das futuras gerações.
Micheli Krayevski Eckel
Psicóloga CRP 12/08587
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