Estar
grávida infere em mudanças físicas, corporais, hormonais e metabólicas, bem
como as psíquica. O período da gravidez é conflituoso, pois faz ressurgir
algumas experiências primárias da vida de uma mulher. A ambivalência de sentimentos
gerada pelo desejo de ter um filho versus a rejeição – deixando claro aos mal
informados, que nenhuma gravidez é totalmente aceita ou rejeitada. Essa ambivalência
faz parte de um processo de mudanças, de desejos contraditórios que implicam escolhas
e renuncias.
Ao
abrir espaço para uma nova pessoa na família, o lugar de cada um é modificado
e, conforme a história pessoal, cada um sentirá mais ou menos essa recolocação
e reagirá. Todos irão, imersos num campo de palavras, sentimentos e sintomas, vivenciar
a gravidez e dar sentido (um lugar) ao bebê que está para nascer.
A
mulher grávida reconfigura sua história a partir do lugar, que oferece a este
bebê. Na maneira como o deseja e como o espera, na maneira como contorna esta
criança com palavras, carregando-a de sentidos, para incluí-la na sua história.
O bebê se encontra, no desejo da mãe, como um substituto fálico e que, por
assim ser, é deslocado como um objeto de amor que a torna completa e no qual reside
toda a perfeição. A mãe, revive com o seu bebê, durante a gravidez e após a
gestação, seu próprio narcisismo, elegendo o bebê como objeto libidinal,
protegendo-o de todas as barreiras às quais se submeteu para renunciar o prazer
e elaborar, a inevitável condição faltante.
A
mãe, com sua organização psíquica feminina, marcada pela castração e pelo
buraco do qual espera um sentido – que alguém lhe concederá – ao desejar um
bebê, revive inconscientemente a possibilidade da realização fálica, de
plenitude. Para receber este bebê como um sujeito investido libidinalmente, a mãe
prenuncia, durante os meses de gravidez, um espaço para este bebê, no modo como
o imagina, nomina, insere em sua história de vida e prepara seu ambiente.
O
bebê é o destino da libido da mãe e, nos primeiros meses de vida, evita quanto pode
que seu bebê se defronte com a falta, suprindo todas as necessidades. Faz todo
o possível para que a angustia de existir seja suprida (fome, sono, dor).
Identificando-se com o bebê, a mãe deposita nele um ideal de eu, uma possibilidade
para si de ser o que não foi. Como disse Freud, a criança seria a possibilidade
de imortalizar o ego, de se fazer eternizar.
Na
morte peri-natal, ou fetal, o que se perde na realidade é o bebê imaginário, que
não pôde se fazer real; a mãe não teve a oportunidade de sua presença física,
mas sente sua morte como alguém que já esteve ao seu lado e assim não se encontra
mais. A perda deste bebê se destaca nas alterações corporais, assim como
acontece
no pós-parto das mães que veem o nascimento de seus bebês e os tem nos braços,
podem tocá-los, senti-los e construir um campo relacional concreto que perpassa
as preparações psíquicas.
A
morte infantil é uma perda real, na qual a mãe tem de se desligar do seu filho
como objeto de amor, com o qual se ligou afetivamente de modo tão próximo e vivo,
tornando-se um com ele. Esta morte, assim como a morte fetal, é entendida como
um descompasso na sequencia natural do ciclo de vida, pelo qual nos orientamos
e nos conscientizamos de que pais morrem antes dos filhos. Encontrar-se com a
morte de um filho é vivenciar a própria impotência, é encontrar-se com a
própria morte, é perder a possibilidade de responder ao seu próprio desejo.
Quando
se deseja algo, e se deseja por uma ligação afetiva, planejamentos futuros são
imaginados, de modo a organizar a vida presente e dar sentido a ela. A perda de
um filho representa um redirecionamento de toda a energia libidinal que se
despendeu para as preparações que se fizeram ou que se concretizaram na relação
com ele mantida.
Algumas
reações desnorteamento podem surgir diante desta ocasião inesperada, como a
culpa pela impossibilidade de gerar um filho, a negação da morte, a desesperança
diante do futuro e dos outros destinos de seu desejo. Perdendo o objeto amado,
a mãe enlutada defronta-se com o vazio, com a falta de sentido, com a
fragilidade do próprio ego, que se mantém em relação aos outros, aos
investimentos libidinais que orientam nossos desejos e significam nossa
existência.
A
morte é a única certeza que nos acompanha por toda a vida, e da qual, dentre as
tantas incertezas, queremos nos afastar em pensamento e em realidade. A morte é
algo que se espera sem esperar, que se nega o tempo todo para poder prosseguir.
Mas a morte, como perda maior, é aquilo que nos move na representação da falta.
Micheli
Krayevski Eckel
Psicóloga
Mãe
do Samuel
(02/08/2017
– 05/08/2017)
Nenhum comentário:
Postar um comentário