A queixa de uma angústia, de uma inquietação existencial que acompanha “desde sempre” muitos individuos, pode até ser considerada comum. Há casos, em que se trata de uma angústia gerada por uma determinada situação. Essa perturbação é provocada por circunstancias externas, e é possível identificar sua origem, seu papel, e encontrar formas de lidar com ela. Todavia, há casos que dizem respeito a uma angústia que não é gerada por questões circunstanciais, mas trata-se de uma insatisfação, de algo que acompanha a pessoa por toda a trajetória de sua existência.
O termo “Angústia” tem sua origem no latim “Angustus” que significa “estreito, apertar, afogar”. Esse termo surge a partir de uma experiência corporal de ser no espaço, significando um estreitamento da vivência. Daí provém a expressão clássica de “aperto no peito” ou “bolha na garganta” ao se definir a angústia, sem se ter clareza sobre o que provoca essa sensação.
Eis a explicação sobre a real diferença entre angústia e medo: Kierkegaard, afirma que no medo se tem certa clareza de que é uma emoção, pois possui um objeto, isto é, sente-se medo de algo possível de ser definido, concreto. Já a angustia, ao contrário, não se tem uma clareza do objeto que a evoca.
Na filosofia existencialista, não há a crença de que possa existir vida sem sofrimento ou a felicidade eterna. Acredita que as amarguras existenciais, dentre elas a angústia, a solidão, o tédio etc., são intrínsecas à existência humana.
É a angustia que tira o homem do comodismo e o leva à ação, o faz mudar de atitude, seu modo de pensar, de agir. Possibilita a reflexão e discussão acerca dos valores existenciais que ampliam a compreensão da realidade humana. A angústia não é, portanto, um sentimento negativo, mas uma experiência que evidencia quando se tem consciência da condição humana de seres livres e únicos.
O homem possui a liberdade para assumir a totalidade dos próprios atos e, diante da obrigação de escolher, se angustia. Visto que mesmo o ‘não optar’ já é em si, uma maneira de delegar o poder decisório a um outro e, como tal, arcar com a responsabilidade do que for escolhido por este.
Para Sartre e Kierkegaard, a consciência dessa liberdade é a própria angústia, pois ao escolher o que quer ser, o homem torna-se ao mesmo tempo, um legislador de si próprio e da humanidade inteira, sendo responsável pelas conseqüências de suas escolhas.
Afirmam ainda, que o homem pode tanto optar por ser verdadeiro consigo mesmo e refletir acerca de sua responsabilidade perante si e a humanidade, quanto utilizar-se da ‘má-fé’, disfarçando sua angústia mentindo para si mesmo, justificando que seus atos implicam apenas ele mesmo. Consegue desta forma, temporariamente, uma falsa sensação de tranquilidade.
Heidegger acrescenta que a angústia é um sentimento que amedronta a todos diante do “nada” existencial, isto é, da impossibilidade de existir uma resposta para a existência, para o oculto. A angústia tem um papel central na existência do ser, pois o coloca diante do desconhecido, do risco, da dúvida, da incerteza. Afeta a ambiguidade das possibilidades, sempre as confrontando diante de suas ambivalências (Ser X Não Ser, Criação X Destruição, Vida X Morte, Sentido X Insignificação).
Assim, o homem está-aí, é um ser lançado no mundo. O estranhamento das coisas, a ausência de familiaridade com o mundo, ou como prefere Heidegger, a “presença” é a abertura para ter consciência desse mundo. Essa sensação que permeia o cotidiano e que apresenta ao homem sua situação essencial de ser – para – morte, ou seja, de ser um projeto finito, vem acompanhada de dois sentimentos: a angústia e o medo.
O não se sentir em casa, deve ser compreendido existencial e ontologicamente como o fenômeno mais originário. O existir clama, movido pela angústia do ser, pessoal e autêntico, que implica em se reconhecer como esse ser – para – morte. Porém, muitas vezes isso não acontece, e o ser “esquecido” de sua liberdade de escolha, justifica sua angústia lhe dando objetos para se tranquilizar novamente, enganando a si mesmo. Esse modo de agir, impessoal e inautêntico, lança o ser no mundo das ocupações e preocupações, no imediatismo das tarefas e das regras. O que aparentemente o isenta de ter que pensar, tirando a responsabilidade de assumir suas escolhas. Quem escolhe é todo mundo e, dessa forma, todo mundo é ninguém.
A consciência da finitude das coisas angustia e provoca temor no homem, pois o coloca frente à possibilidade da própria morte como fim. No entanto, é essa angústia do aqui – agora que remete o homem em seu poder ser mais próprio, escolhendo o que quer ser e assumindo a responsabilidade de suas escolhas.
A angústia do aqui – agora parte do princípio de que o homem é um ser temporal, com sua história individual, definida em uma época e espaço historicamente determinados. Isto significa que o homem é um ser único e que apenas ele pode vivenciar suas experiências. Quer dizer que nenhuma pessoa pode vivenciar a vida no lugar de outra, escolher as escolhas do outro, ou assumir as responsabilidades pelo outro.
Micheli Krayevski
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