quarta-feira, 30 de março de 2011

A Angustia do Existir

A queixa de uma angústia, de uma inquietação existencial que acompanha “desde sempre” muitos individuos, pode até ser considerada comum. Há casos, em que se trata de uma angústia gerada por uma determinada situação. Essa perturbação é provocada por circunstancias externas, e é possível identificar sua origem, seu papel, e encontrar formas de lidar com ela.  Todavia, há casos que dizem respeito a uma angústia que não é gerada por questões circunstanciais, mas trata-se de uma insatisfação, de algo que acompanha a pessoa por toda a trajetória de sua existência.
O termo “Angústia” tem sua origem no latim “Angustus” que significa “estreito, apertar, afogar”. Esse termo surge a partir de uma experiência corporal de ser no espaço, significando um estreitamento da vivência. Daí provém a expressão clássica de “aperto no peito” ou “bolha na garganta” ao se definir a angústia, sem se ter clareza sobre o que provoca essa sensação.
Eis a explicação sobre a real diferença entre angústia e medo: Kierkegaard, afirma que no medo se tem certa clareza de que é uma emoção, pois possui um objeto, isto é, sente-se medo de algo possível de ser definido, concreto. Já a angustia, ao contrário, não se tem uma clareza do objeto que a evoca.
Na filosofia existencialista, não há a crença de que possa existir vida sem sofrimento ou a felicidade eterna. Acredita que as amarguras existenciais, dentre elas a angústia, a solidão, o tédio etc., são intrínsecas à existência humana.
É a angustia que tira o homem do comodismo e o leva à ação, o faz mudar de atitude, seu modo de pensar, de agir. Possibilita a reflexão e discussão acerca dos valores existenciais que ampliam a compreensão da realidade humana. A angústia não é, portanto, um sentimento negativo, mas uma experiência que evidencia quando se tem consciência da condição humana de seres livres e únicos.
O homem possui a liberdade para assumir a totalidade dos próprios atos e, diante da obrigação de escolher, se angustia. Visto que mesmo o ‘não optar’ já é em si, uma maneira de delegar o poder decisório a um outro e, como tal, arcar com a responsabilidade do que for escolhido por este.
Para Sartre e Kierkegaard, a consciência dessa liberdade é a própria angústia, pois ao escolher o que quer ser, o homem torna-se ao mesmo tempo, um legislador de si próprio e da humanidade inteira, sendo responsável pelas conseqüências de suas escolhas.
Afirmam ainda, que o homem pode tanto optar por ser verdadeiro consigo mesmo e refletir acerca de sua responsabilidade perante si e a humanidade, quanto utilizar-se da ‘má-fé’, disfarçando sua angústia mentindo para si mesmo, justificando que seus atos implicam apenas ele mesmo. Consegue desta forma, temporariamente, uma falsa sensação de tranquilidade.
Heidegger acrescenta que a angústia é um sentimento que amedronta a todos diante do “nada” existencial, isto é, da impossibilidade de existir uma resposta para a existência, para o oculto. A angústia tem um papel central na existência do ser, pois o coloca diante do desconhecido, do risco, da dúvida, da incerteza. Afeta a ambiguidade das possibilidades, sempre as confrontando diante de suas ambivalências (Ser X Não Ser, Criação X Destruição, Vida X Morte, Sentido X Insignificação).
Assim, o homem está-aí, é um ser lançado no mundo. O estranhamento das coisas, a ausência de familiaridade com o mundo, ou como prefere Heidegger, a “presença” é a abertura para ter consciência desse mundo. Essa sensação que permeia o cotidiano e que apresenta ao homem sua situação essencial de ser – para – morte, ou seja, de ser um projeto finito, vem acompanhada de dois sentimentos: a angústia e o medo.
O não se sentir em casa, deve ser compreendido existencial e ontologicamente como o fenômeno mais originário. O existir clama, movido pela angústia do ser, pessoal e autêntico, que implica em se reconhecer como esse ser – para – morte. Porém, muitas vezes isso não acontece, e o ser “esquecido” de sua liberdade de escolha, justifica sua angústia lhe dando objetos para se tranquilizar novamente, enganando a si mesmo. Esse modo de agir, impessoal e inautêntico, lança o ser no mundo das ocupações e preocupações, no imediatismo das tarefas e das regras. O que aparentemente o isenta de ter que pensar, tirando a responsabilidade de assumir suas escolhas. Quem escolhe é todo mundo e, dessa forma, todo mundo é ninguém.
A consciência da finitude das coisas angustia e provoca temor no homem, pois o coloca frente à possibilidade da própria morte como fim. No entanto, é essa angústia do aqui – agora que remete o homem em seu poder ser mais próprio, escolhendo o que quer ser e assumindo a responsabilidade de suas escolhas.
A angústia do aqui – agora parte do princípio de que o homem é um ser temporal, com sua história individual, definida em uma época e espaço historicamente determinados. Isto significa que o homem é um ser único e que apenas ele pode vivenciar suas experiências. Quer dizer que nenhuma pessoa pode vivenciar a vida no lugar de outra, escolher as escolhas do outro, ou assumir as responsabilidades pelo outro.

Micheli Krayevski
chelykrayevski@gmail.com

quinta-feira, 24 de março de 2011

Amor Eterno?

Sim, pesquisas neurocientíficas recentes mostram que é possível sim se sentir encantado pela mesma pessoa por décadas. Imaginar-se vivendo 10, 20... 50 anos com a mesma pessoa e ainda continuar sentindo prazer em sua companhia e conforto em seus braços, para muitos, pode parecer uma proposta muito interessante. Se pensar em viver dessa forma lhe traz uma sensação bem estar, não agradeça ao seu coração. Agradeça seu cérebro! Já se essa idéia não lhe agrada a responsabilidade também é dele também.
Diferente de muitos animais, que procuram um par somente para o acasalamento e imediatamente depois cada um segue seu caminho. Na raça humana (assim como em outros seres vivos que vivem em sociedade) os laços afetivos e amorosos são muito importantes, pois na maioria das vezes, é através deles que buscamos a sobrevivência de nossa espécie.
Gostamos tanto de formar pares que gastamos muita energia, tempo e esforço para convencer um belo modelo de que somos a pessoa mais sensacional, interessante e desejável, entre as outras 6 bilhões de pessoas existentes na Terra. Isso porque, segundo a pesquisadora Suzana Herculano-Houzel, nosso sistema cerebral é capaz de atribuir um incrível valor positivo à companhia alheia. A função do sistema de recompensa (conjunto de estruturas do cérebro especializado em detectar quando algo interessante acontece) é premiar-nos com uma sensação física inconfundível de prazer e satisfação e ainda associar esse prazer com o que nos levou a ele – pode ser uma ação, situação, objeto ou... alguém.
Conforme esse sistema é acionado, cada vez que tem uma sensação de prazer na companhia dessa pessoa, um valor positivo que atribuímos a ela é reforçado. Com isso, devemos ficar na torcida para que a mesma coisa esteja acontecendo no cérebro dessa outra pessoa. Que ela esteja associando um valor cada vez mais positivos a nossa companhia. Isso é o que fazemos no período de namoro. As conversas sempre são interessantes, passeios agradáveis, boa musica, boa comida e carinho oferecem prazeres que vão sendo associados à relação. Se acrescentar o sexo, fica melhor ainda: o prazer do orgasmo funciona como uma cola extraordinária para o sistema de recompensa, que atribuirá satisfação incrível àquela pessoa específica (mas é verdade que isso não funciona tão bem em alguns cérebros...).
Com a repetição, o sistema de recompensa vai aprendendo a ficar ativado não apenas em resposta a companhia, mas também em antecipação à presença daquela pessoa, que está ficando cada vez mais importante e essencial. Essa antecipação é a motivação, para que alteremos compromissos ou fiquemos acordados madrugada adentro. Essa é a paixão, sentimento que faz com que se faça tudo em nome de mais tempo na presença do ser amado.
Uma questão complicada é: quando isso vira amor? Operacionalmente falando é quando passa o ardor da paixão e descobre-se que pensar em uma vida sem seu companheiro causa angustia profunda e sincera. O amor é esse laço que faz o cérebro acreditar que não existe felicidade sem a presença do outro, e ao fazer seu companheiro feliz dá um novo sentido à vida.
Se será para sempre, depende de vários fatores – muitos deles completamente fora do nosso controle. A boa noticia que a neurociência nos dá é que os relacionamentos não estão necessariamente fadados ao esgotamento, pois é sim possível, se sentir apaixonado por muitas e muitas décadas pela mesma pessoa. E não é o acaso ou a sorte, você tem grande responsabilidade e deve sempre fazer sua parte. É uma questão de continuar inventando e descobrindo novos prazeres a dois. Tudo que for possível para manter o sistema de recompensa do outro interessado em você...

Micheli Krayevski
chelykrayevski@gmail.com

sexta-feira, 18 de março de 2011

Inevitáveis Gafes

De repente, sem a menor chance de controle, as palavras saltam de nossa boca e quando nos damos conta já dissemos aquilo, que no momento seguinte nos arrependemos. É o lapso, o “fora”, a palavra que parece escapar – mesmo que tentemos evitar. Isso geralmente acontece em uma situação constrangedora, das quais ninguém está livre. Talvez por culpa da famosa Lei de Murphy: “Se alguma coisa pode dar errado, com certeza dará”.
Segundo o psicólogo social Daniel Wegner, da Universidade de Harvard, que estuda esses casos a mais de 20 anos, pessoas que tem tendência a ansiedade, depressão ou timidez são os grupos que mais levam a sério esses lapsos. Por isso, sofrem mais com eles, já que costumam ficar constrangidos e desconfortáveis em grupos que não lhe forneçam segurança.
O criador da psicanálise, Sigmund Freud, havia percebido isso em suas pacientes e nomeou o fenômeno de genville (ação executada contra a própria vontade). Na sua grande maioria mulheres recatadas do século XX, as histéricas de Freud tinham muito medo de fazer comentários sem propósitos ou incondizentes com o meio social em que viviam. E quando isso eventualmente ocorria, o deslize era visto por elas como algo realmente grave e assumia sérias proporções em seu psiquismo. E, curiosamente, quanto mais tinham medo de cometer uma gafe, mais isso acontecia.
Esses erros irônicos se produzem assim que os conteúdos reprimidos fogem do nosso controle. Mesmo que o recalque (impulso ou desejo expulso do consciente e escondido no inconsciente) seja uma estratégia eficaz, pode causar lapsos, pois exigem muita atenção e investimento de recursos cognitivos. É como se nos pedem para não pensar em um urso branco, automaticamente é a primeira coisa que nos vem à mente. Sim, é inevitável! Não temos controle sobre nossos pensamentos.
As pessoas mais emotivas parecem ser as que menos suportam cometer gafes. Esse temor, pode explicar em parte, porque os fóbicos sociais se isolam. Para essas pessoas, possíveis erros tornam-se uma ameaça constante. Aquele que busca se liberar de problemas emocionais recalcando pensamentos negativos entra frequentemente em um circulo vicioso: tenta lutar contra o pensamento, mas por meio de um mecanismo parecido como o do urso branco, acaba por se concentrar naquilo que gostaria de esquecer.
Como se proteger desse fenômeno? Uma recomendação bem simples: aprender a aceitar os pensamentos desagradáveis. Evitar a evitação!
Nos casos mais graves, nos quais a pessoa se sente atormentada por pensamentos intrusos, a análise diária das próprias preocupações, incluindo tudo aquilo que causa inquietação e se gostaria de reprimir. Uma confrontação dos pensamentos reprimidos costuma ter efeitos positivos na vida cotidiana e na saúde psíquica. Registrar por escrito seus tabus pessoais, aquilo que teme ou lhe causa vergonha. Segundo Pennebaker, da Universidade do Texas, esse exercício pode vir a reforçar o sistema imunológico, já que viria a causar menos estresse, e parte da energia psíquica despendida na repressão de certos conteúdos poderia ser empregada de maneira mais saudável.
Encontrar distrações que não aumentem o estresse, buscar tudo aquilo que interessa e não cria uma sobrecarga emocional, representa uma boa ocasião de se liberar do temor de cometer gafes. Para algumas pessoas mais rígidas consigo mesmas, pode ser muito tranquilizador tomar consciência de que esse tipo de incidente é simplesmente normal. Se parece difícil se conscientizar disso sozinho, busque conversar com amigos e familiares sobre situações constrangedoras, com certeza ouvirá historias engraçadissimas. Já se aquilo que seria apenas motivo de uma boa gargalhada ou um leve mal-estar, se tornar razão para se atormentar, parece ser a hora de procurar um profissional e de empenhar-se para tornar a vida um pouco mais leve.

Micheli Krayevski
chelykrayevski@gmail.com

segunda-feira, 7 de março de 2011

Fugindo do Amor

É incrível como as pessoas tem medo de amar, mas o interessante é que todas querem ser amadas e, por isso, inventam defesas e comportamentos para fugirem das responsabilidade e dos riscos que todo envolvimento afetivo sadio exige. Todos querem dinheiro, poder, cultura, beleza física para atraírem as pessoas e serem amados por elas, mas nem todos tem a coragem necessária para amar. Para certas pessoas, o temor da rejeição é tão grande e o medo do desastre afetivo é tão assustador, que passam a dificultar qualquer relacionamento que para elas possa ser emocionalmente mais envolvente.
Faz lembrar-me de uma cliente que se julgava capaz de amar, pois afirmava que o seu maior prazer era dar felicidade para os outros. mas a verdade era outra! Na realidade era a maneira que ela encontrava de controlar e de não se envolver afetivamente com ninguém. Até mesmo sexualmente mostrava isso, pois dizia que nunca havia conseguido alcançar orgasmos, mas que tal fato não importava. Dar prazer ao outro era o que a deixava feliz.
O que acontecia era que tinha medo de usufruir do prazer que qualquer tipo de relacionamento poderia lhe proporcionar, seja ele sexual, social ou profissional. Mostrava nesses três contextos comportamentos muito semelhantes. No grupo social, sempre muito feliz no papel de anfitriã e rejeitando, quase sempre, o papel de convidada. No trabalho, sempre solicita, pronta para ajudar os outros, fazendo tudo muito perfeito e sempre sorrindo, mas nunca se permitindo ser ajudada. No sexo, sempre ativa e participante, ajudando o parceiro a realizar-se plenamente, mas nunca se realizando.
Durante o processo terapêutico acabou percebendo que esse comportamento, na realidade, era a maneira que encontrava para não se sentir dependente de ninguém, pois a fatalidade, muito cedo, lhe empurrou para esse tipo de defesa – ser amada sempre, mas amar nunca.
Contou-me que ainda bastante pequena, perdeu seu pai num acidente automobilístico e que sua mãe, alguns meses depois foi internada em um hospital psiquiátrico e logo veio a falecer também. Foi “criada” por uma tia muito enérgica, pouco carinhosa e que lhe ameaçava constantemente expulsa-la de casa.
E assim, como tinha medo de sofrer novamente, passou a rejeitar o prazer que os outros poderiam lhe proporcionar. Isso lhe dava a falsa idéia de independência, pois, se as pessoas que lhe davam amor viessem por qualquer motivo lhe faltar, não sofreria tanto. Seu grande medo era sofrer novamente por perdas afetivas e era disso que ela se defendia, deixando-se amar, mas jamais amando.
Muitas pessoas se defendem do amor inconscientemente. Existem as que sonham em amar, mas amar uma pessoa tão maravilhosa, tão formidável, tão perfeita que bem provavelmente não encontrará. A partir dessa expectativa, toda relação que venha a ter será frustradora, pois ninguém conseguirá preencher os requisitos ideiais.
Outras pessoas tem consciência do seu medo de amar e escolhem a solidão afetiva por não terem a coragem de enfrentar o perigo de serem traídas, abandonadas e julgadas incompetentes para manterem um amor. Geralmente acabam se tornando pessoas muito sofridas, amargas e criticas.
Existem também os que fogem dos riscos do amor amando de uma forma neurótica. Por estar muito ligada a figura de um dos pais, a pessoa não consegue ter o desapego do cômodo lugar de “filhinho” e ter coragem para assumir as responsabilidades de uma amor adulto. Dessa forma, transfere para a pessoa amada os sentimentos, as esperanças e os temores que tinha/tem em relação aos pais. Com isso prejudica o vinculo. Espera, desse relacionamento, as mesmas satisfações, a mesma proteção, tantas provas de amor, de cuidado e admiração, que parecem verdadeiras crianças. Querem ser perdoadas sempre, mas não perdoam nunca. Querem ser endeusadas, magoam-se facilmente e se julgam sempre injustiçadas.
Quando o amor é verdadeiro perdemos o medo de correr riscos, nos entregamos por inteiro e envolvemo-nos profundamente com a outra pessoa. Muitos não estão preparados para isso e nem se expõe para aprender. Se ama, o faz de uma forma captativa.
Não conheço e não acredito em regras que nos ensinem a amar. Podemos ler mil livros, conversar com pessoas experientes, podemos tentar controlar o coração e ter novas táticas de atuação no jogo do amor, mas será tudo em vão! A teoria não tem acesso ao coração.
Eu só acredito que para mudar a maneira de amar, a pessoa terá primeiro que mudar a sua maneira de ver a vida e, para isso, precisará de humildade, coragem e perseverança.
Amar e ser amado é maravilhoso, mas também é assustador, pois nos dá a impressão de se ter perdido todo o controle e de nos termos tornados totalmente vulneráveis. Para amar temos que ter coragem de nos expor, a humildade para perdoar, flexibilidade para conviver e bom humor para brincar. Não podemos ter medo das pessoas, medo da intimidade, de sentir e de ser sentido.

Micheli Krayevski