terça-feira, 6 de julho de 2021

Abandono Paterno: Consequências Emocionais e Estratégias de Enfrentamento

 

O ambiente em que a criança cresce tem papel fundamental no amadurecimento emocional e psíquico, e daí vem a importância dos adultos estabelecerem relações maternas e paternas saudáveis. A função materna é importante desde a gestação, as iniciais interações da mãe com o bebê, que oferece as primeiras experiências de prazer, satisfação e incômodo também. Assim como a função paterna, que funciona como um corte, permitindo a separação do conjunto mãe e bebê, para permitir que a criança consiga se constituir como um sujeito. Sendo assim: como a ausência da função paterna afeta a construção do psiquismo infantil?

O abandono paterno pode causar marcas psicológicas com consequências emocionais, sexuais e que ameaçam o desenvolvimento físico, psicológico e emocional considerado normal para uma criança saudável.

As pessoas que sofreram o abandono paterno, com frequência, podem apresentam algumas dessas consequências na idade adulta:

- Baixa inteligência emocional: Isto é, se estressam com facilidade, são pouco assertivos, tem dificuldade para estabelecer limites e ser empáticos; possuem vocabulário emocional limitado, ou seja, não sabem identificar e dar nome as suas emoções; são  mais  predispostos à crises límbicas (emoções à flor da pele).

- Dificuldade de adaptação: tem dificuldade para se adaptar às mudanças que surgem em sua vida (mudanças de emprego, de casa, de cidade), sofrendo muito e de forma prolongada quando estas situações aparecem. As mudanças geralmente provocam muita ansiedade.

- Apego a objetos: são propensos a ter dificuldade para se desfazer de objetos materiais (roupas, livros, documentos...). Geralmente estes objetos representam o sofrimento do abandono. Sofrem muita ansiedade quando precisam se separar, mesmo que temporariamente, do algum objeto.

- Vulnerabilidade a dependência: são pessoas com muita susceptibilidade a construir relações de dependência, seja com o consumo de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas) ou ainda, dependência do trabalho, de sexo, pornografia, jogos, tecnologia. Também estabelece relação de dependência com pessoas, principalmente em relacionamentos amorosos, ou à pessoas que lhes forneçam um pouco de atenção, ou qualquer pessoa que represente sua figura paterna ausente, namorados e amigos.

- Passividade nos relacionamentos: São pessoas que frequentemente se mostram muito complacentes com todos, incluindo as pessoas que não conhece. Ignoram ou deixam de lado suas prioridades ou interesses para poder agradar aos outros; as pessoas próximas as descrevem como pessoas muito boas, que escutam e ajudam aos outros sem interesses próprios. Em relacionamentos amorosos é uma pessoa permissiva e costuma ceder as vontades do companheiro (a) e ser explorada. É possível que este comportamento seja uma tentativa obsessiva de fazer com que nenhuma pessoa as abandone ou perca o interesse por elas. Comumente estas pessoas tornam-se especialistas em relações que as machucam, manifestando comportamentos que permitem prolongar e permanecer em relacionamentos destrutivos.

- Mal-estar psicológico: Frequentemente se sente vazio ou sem um propósito de vida. Como se não tivesse um sentido, uma sensação melancólica.

- Vulnerabilidade à psicopatologia: apresentam maior probabilidade de ser diagnosticados com alguma patologia mental do que uma pessoa que não sofreu abandono paterno. Como por exemplo: transtornos de ansiedade (crises ansiosas, insônia, transtornos alimentares...), doenças psicossomáticas, estresse ou transtornos de personalidade.

 

Mesmo que este abandono tenha acontecido há muitos anos atrás (na infância), ele continua repercutindo em sua qualidade de vida. As relações que a pessoa abandonada mantém podem apresentar alguns dos seguintes elementos:

- Relação com pessoas que a anulam constantemente, ou seja, que parecem nunca os escutar;

- Relação com companheiros ou amigos com dependência química;

- Relação com companheiros que maltratam física e emocionalmente;

- Relação com companheiros que cometem infidelidade, ou que a  submetem a ser “a outra” acreditando em promessas que nunca serão cumpridas;

- Relação com companheiros que as submetem a um constante temor de que irão embora e a abandonarão;

- Frequentemente são pessoas muito possessivas;

- Geralmente têm medo de perder alguma coisa;

 

Dentro do processo de psicoterapia, tratamento melhor indicado para aprender a superar o abandono paterno, existem alguns aspectos importantes para elaborar essa dor:

1- Relatar os momentos que lembrar com seu pai, ou as histórias que já ouviu sobre ele. No ambiente de privacidade e escuta ativa da psicoterapia, expressar essas lembranças, os pensamentos que vem com o relato. Importante dar atenção aos sentimentos que surgem, se houver vontade de chorar, chore!

2- Depois de se permitir expressar suas emoções e dar luz às lembranças, que costumam vir surgindo conforme vai aprofundando os relatos, é hora de compreende-los para se humanizar e humanizar a figura paterna que foi por vezes desqualificada. Se você compreende que tem emoções e pode dar nome a cada uma das sensações corporais que elas geram, você começará a ter empatia. Aceitar que uma perda pode provocar tanta dor, evitará que você continue minimizando ou extrapolando com todas as outras pessoas ou situações da sua vida presente.

3- Procure se colocar no lugar dele, exercite a empatia. Provavelmente, culpamos o pai ausente por todos estes anos de abandono. Então procure as possíveis razões por esse abandono. Por exemplo, sabemos que nosso pai pode ter experimentado alguma emoção de medo de não saber ou não poder ser responsável desta mudança em sua vida (ter filhos), sendo essa a causa do afastamento. Obviamente, este fato não justifica um abandono ou qualquer atitude de um pai, mas permite que assim compreendamos o mundo afetivo que vivemos e a assim aceitar os erros dos outros e os nossos. Se o motivo do abandono foi a morte, muito menos é possível culpabiliza-lo, somente compreender emocionalmente que esse abandono afetivo não foi programado, nem mesmo uma escolha.

4- Não procure esquecer, mas conviver com isso. Lembre-se que não estou sugerindo superar a perda, mas conviver com ela. É possível superar a perda de um celular, até mesmo de nosso joguinho favorito, mas superar a perda de um pai é impossível. Este ponto ressalta esta tendência a nos convencermos de que a perda de nosso pai não vai importar, e isto é construir sobre areia. É falso acreditar que algo com tamanha carga emocional pode chegar a não nos incomodar nenhum pouco.

5- Aprenda a perdoar. Seguir a vida em frente depois do abandono de um pai requer perdão e não é algo simples de alcançar. Se o ambiente constantemente mostra o lado ruim do seu pai, se você observa a sua mãe ou irmãos sofrendo muito, certamente acabará absorvendo essa dor. Aprender a perdoar requer amadurecimento emocional, atingir um estado adulto. Auxilia muito nesse processo a espiritualidade. Com fé, ir treinando gradativamente um perdão verdadeiro.

6- Tomar consciência. Ser consciente de todos estes pontos representa um grande avanço, pois conseguiremos identificar a dor dos outros e a nossa; as emoções dos outros e as nossas.

 

Aprender a honrar a vida daqueles que nos geraram, nos amadurece e nos permite acessar nossos próprios sentimentos de maneira madura, consciente e consistente. Essa jornada vale a pena!

 

-> Se você que está lendo esse texto é o terapeuta que está auxiliando seu paciente a lidar com essa dor, o ajude a seguir os passos acima com paciência. Lembre-se sempre que é um processo, um caminho a ser seguido.

 

2 comentários:

  1. Muito importante essa publicação ...
    Parabéns Michele, me ajudou muito, e vou buscar mais informações sobre o assunto.
    Em ambientes como CTs é bastante recorrente acolhidos com este contexto.
    Grato

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  2. Muito bom texto quase me indetifiquei

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